Um sistema que degrada a generosidade
Só uma coisa sobre os últimos posts: estou num bom momento do meu percurso pessoal, tanto no âmbito privado (a família) como no público (a escrita e a reflexão sobre design, em especial sobre a imagem). O que me chateia na injustiça sistémica das avaliações e progressões de carreira académica é que corroem a generosidade. […]
Só uma coisa sobre os últimos posts: estou num bom momento do meu percurso pessoal, tanto no âmbito privado (a família) como no público (a escrita e a reflexão sobre design, em especial sobre a imagem).
O que me chateia na injustiça sistémica das avaliações e progressões de carreira académica é que corroem a generosidade. Começamos a pensar nas coisas de modo transacional. Fazemos o que nos ajuda a subir na carreira. É em parte por isso que há tão pouco discurso público na área.
Quando vejo aquilo que mais me parece imperativo fazer ser sistematicamente desvalorizado, tenho um momento em que me apetece deixar de fazê-lo ou mudá-lo de forma a que «encaixe». Durante a inflação, enquanto foi difícil pagar as prestações, cheguei a pensar a sério deixar de vez a escrita e as intervenções públicas, e dedicar-me a apresentar papers em congressos. Por sorte, não precisei, mas o momento mudou-me. Não adianta convencer um sistema que não quer ser convencido. Não quero passar um momento que seja a pensar que o problema é meu.
Todos os anos leio teses, papers e comunicações citando o que escrevo. Todos os anos sou convidado para participar em projectos financiados pelo FCT ou pela DGArtes. Em termos de avaliação, a minha escrita e a minha participação nesses projectos vale menos do que um paper e muito menos do que um projecto. Por um mau momento, fico a pensar: qual é o problema com o AI? Desde há anos que sou tratado como se fosse um conteúdo. Mas não é verdade, gosto de participar nos projectos e de que me leiam ao ponto de me citar. Não é quem me convida ou cita que me desvaloriza. É o sistema que me avalia.
O problema é um sistema de avaliação que, à guisa de «rigor», recompensa a erosão da generosidade.
Fico com vontade de deixar de oferecer aquilo que mais gosto de dar pela razão estúpida e atávica de que nunca é valorizado nessas avaliações. E fico enjoado comigo mesmo por ceder, ainda que por um momento, a esse gaslighting básico.