Sei por que fecham as mercearias
Comecei o dia a ler o jornal enquanto bebia chá. Soube que a «Cafezeira», a loja onde comprei o chá-preto com frutos tropicais, pode fechar. Sei por que razão fecham as mercearias. Sei-o, sem desmerecer, com mais conhecimento de causa do que os designers que se mexem para salvar esses negócios. Sei-o. Só hoje dei […]
Comecei o dia a ler o jornal enquanto bebia chá. Soube que a «Cafezeira», a loja onde comprei o chá-preto com frutos tropicais, pode fechar. Sei por que razão fecham as mercearias. Sei-o, sem desmerecer, com mais conhecimento de causa do que os designers que se mexem para salvar esses negócios.
Sei-o. Só hoje dei conta que, no vigésimo aniversário do meu blogue, escrevi um texto a pensar se valia a pena continuar. Decidi continuar, porque é aquilo que sei fazer.
Faço-o sem qualquer tipo de apoio institucional. Nas avaliações docentes, escrever para o blogue só conta na categoria de «transferência de conhecimento». Não serve como investigação.
Não serve sequer como experiência relevante. Se fizesse logotipos, ainda servia. Como só escrevo sobre design, ninguém sabe, ou quer saber, onde o que faço encaixa. Arrisco dizer que, mesmo sem quaisquer considerações de qualidade, sou mais raro do que qualquer designer português praticante vivo ou morto. Sou raro da mesma maneira que uma pessoa com 100 anos é rara: não por qualquer qualidade intrínseca, mas porque todos os outros pararam.
Da universidade, não espero muito. Pagam-me para dar aulas e para fazer investigação. Faço essa investigação porque me pagam para isso. É muito pouca por comparação com o que faço fora da escola, porque o que faço fora da escola é muito. Em 2015, comecei uma lista dos textos que escrevi sobre design. Contei tudo o que era reflexão crítica. Desisti quando cheguei às dezassete páginas em Times corpo 12. Só um título por linha. Não andei perto de chegar a meio. Falei disso por piada ao Rui Silva, que me convidou para publicar uma colectânea de textos na Orfeu Negro.
Quase todas as oportunidades que tive vieram via blogue ou redes sociais. É assim que sou convidado para escrever em livros ou revistas. É triste que, com toda a conversa sobre novas plataformas, a universidade seja um exercício tão fátuo de gate-keeping. É de certo modo adequado que quase tudo o que se produz lá não tenha qualquer tipo de alcance ou interesse.