A Teoria das Estações Perdidas

Em uma cidade regida pela mágica, as diferenças se encontram

Jan 18, 2025 - 22:41
A Teoria das Estações Perdidas

Na cidade onde os ventos carregavam segredos e os relógios das praças paravam exatamente às 16h16, a mágica era o coração de tudo. Não acreditar nela era o pior dos pecados. As padarias assavam pães que mudavam de sabor conforme o humor de quem os comia, e as flores nos jardins piscavam suavemente à noite. As pessoas acreditavam que era a mágica que mantinha o caos do mundo afastado.

Letícia era diferente. Não que não acreditasse na mágica, mas acreditava que nem tudo precisava ser explicado por ela. Ela carregava um caderno azul cheio de perguntas. “Por que o céu parece mais roxo aqui?” ou “Se a mágica cansa, ela pode parar?” – perguntas que ninguém fazia, mas que ela não podia evitar.

Foi assim que ela conheceu Eduardo.

Era uma tarde nublada, com cheiro de chuva no ar, quando Letícia entrou em uma feira de antiguidades em busca de algo que nem sabia nomear. Entre relógios quebrados, velhos livros empoeirados e xícaras de chá descombinadas, ela viu uma peça peculiar: uma caneca com a pintura de um elefante.

Quando estendeu a mão para pegá-la, outra mão se encontrou com a dela. “É uma peça única”, disse Eduardo, com um sorriso que parecia ter um relógio embutido, funcionando sempre no ritmo certo.

Eles acabaram dividindo a xícara de chá, um encontro tão despretensioso quanto mágico, mas que deixaria marcas profundas. Eduardo contou sobre sua coleção de relógios quebrados e a teoria de que o tempo só para para nos ensinar algo. Letícia, por sua vez, falou sobre suas perguntas, e ele ouviu como ninguém mais ouvia.

“Você não acredita na mágica, então?”, perguntou ele.

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“Eu acredito… mas gosto de pensar que ela não precisa fazer todo o trabalho sozinha”, respondeu.

Enquanto Letícia e Eduardo se conectavam em suas diferenças, Clara, a florista da cidade, seguia sua missão de moldar o mundo à sua imagem. Clara era perfeita – ou assim parecia. Suas flores nunca murchavam, seus arranjos brilhavam à noite, e suas histórias eram tão doces que a cidade acreditava nela sem questionar.

Mas Clara tinha algo mais: um talento afiado para detectar as fragilidades alheias. E foi assim que ela começou a espalhar insinuações sutis sobre Letícia.

“Ela nunca fala da mágica, não é? Acho que não acredita nela”, dizia Clara, enquanto entregava um buquê a uma vizinha.

Em uma cidade onde a mágica era a essência de tudo, a dúvida foi suficiente para transformar Letícia em um alvo. Olhares desconfiados a seguiam, e as perguntas que ela guardava no caderno azul passaram a parecer perigosas.

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Em meio aos olhares de reprovação e ao peso das insinuações, Letícia encontrou um objeto estranho em outra visita à feira de antiguidades: um relógio sem ponteiros, com uma inscrição na parte de trás: “A mágica não mente, mas quem conta as histórias pode mentir.”

Intrigada, ela levou o relógio para casa. Naquela noite, ele começou a brilhar, emitindo um som baixo e constante. Eduardo, curioso, visitou Letícia para examinar a peça.

“Esse relógio não mede o tempo. Ele mede verdades”, disse ele, como se fosse a coisa mais óbvia do mundo.

A cidade aguardava ansiosamente a grande Festa do Jardim, o evento anual de Clara. Era uma noite em que as flores dela brilhavam mais forte, e a mágica parecia tocar cada canto da cidade. Letícia hesitou em ir, mas Eduardo a convenceu. “A mágica também está ao seu lado, mesmo que eles não vejam”, disse ele, entregando a ela a xícara de chá com o elefante.

Na festa, Clara estava radiante. Seu arranjo mais impressionante, feito com flores que ela dizia serem eternas, estava no centro do salão. “Essas flores nunca murcham, como a mágica que carregamos dentro de nós”, disse Clara, olhando diretamente para Letícia, como se desafiasse sua presença.

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Mas naquele momento, o relógio sem ponteiros brilhou intensamente, chamando a atenção de todos. Primeiro, as flores começaram a perder o brilho. Depois, pétalas caíram lentamente, até que o arranjo inteiro desmoronou.

A sala ficou em silêncio. Eduardo colocou o relógio no centro do salão. “As flores murcharam porque a mágica não mente. Mas histórias podem mentir”, disse ele, calmamente.

Clara tentou sorrir, mas o encanto que mantinha sobre a cidade se desfez. Ela deixou a festa antes que alguém pudesse dizer algo, e na manhã seguinte, sua loja estava fechada.

Eduardo voltou a consertar relógios, mas agora com um novo propósito: consertar o tempo onde a verdade havia sido quebrada.

E Letícia? Ela guardou o relógio sem ponteiros e continuou a preencher seu caderno azul, mas com novas perguntas: “Se a mágica nunca mente, por que as pessoas mentem sobre ela?”

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Na cidade onde os relógios voltaram a parar às 16h16 e as flores piscavam suavemente à noite, a verdade encontrou seu lugar. A mágica, afinal, não precisava ser provada. Ela só precisava ser vivida.

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