O encontro de Luiz Melodia com Maria Callas
O encontro inesperado só aconteceu na semana passada, quando Luiz Melodia – No Coração do Brasil e Maria Callas chegaram, no mesmo dia, às telas dos cinemas brasileiros. A começar pela duração de 75 minutos do primeiro e 123 minutos do segundo, não poderiam ser mais diferentes o documentário sobre o compositor e cantor nascido no bairro do Estácio, na Zona Central do Rio de Janeiro, e o filme em que Angelina Jolie faz o papel da soprano grega, nascida nos Estados Unidos, nos seus dias finais vividos em Paris e em episódios do passado. No início da década de 1970, quando Melodia começou a fazer sucesso ao lançar Pérola Negra, seu primeiro LP, Callas já havia se retirado da cena operística havia quase uma década, após sua carreira fulgurante iniciada em 1942 – desencontro biográfico realçado agora, entre nós, pela exibição simultânea dos dois filmes dedicados aos artistas que talvez sequer tenham tomado conhecimento um do outro. The post O encontro de Luiz Melodia com Maria Callas first appeared on revista piauí.
O encontro inesperado só aconteceu na semana passada, quando Luiz Melodia – No Coração do Brasil e Maria Callas chegaram, no mesmo dia, às telas dos cinemas brasileiros. A começar pela duração de 75 minutos do primeiro e 123 minutos do segundo, não poderiam ser mais diferentes o documentário sobre o compositor e cantor nascido no bairro do Estácio, na Zona Central do Rio de Janeiro, e o filme em que Angelina Jolie faz o papel da soprano grega, nascida nos Estados Unidos, nos seus dias finais vividos em Paris e em episódios do passado.
No início da década de 1970, quando Melodia começou a fazer sucesso ao lançar Pérola Negra, seu primeiro LP, Callas já havia se retirado da cena operística havia quase uma década, após sua carreira fulgurante iniciada em 1942 – desencontro biográfico realçado agora, entre nós, pela exibição simultânea dos dois filmes dedicados aos artistas que talvez sequer tenham tomado conhecimento um do outro.
Temos, de um lado, o documentário de Alessandra Dorgan, diretora e coautora do roteiro que escreveu com a diretora musical, Patricia Palumbo, e Joaquim Castro, montador e diretor do premiado Dominguinhos (2014); de outro, o filme de ficção dirigido por Pablo Larraín, feito a partir do roteiro de Steven Knight que também escreveu Spencer (2021), segundo título do tríptico de Larraín dedicado a celebridades femininas que teve início com Jackie (2016).
A produção de Luiz Melodia – No Coração do Brasil foi orçada em 600 mil reais (equivalente a cerca de 100 mil dólares), financiados através do Fundo Setorial do Audiovisual (FSA), instituído pelo governo federal, e do Programa de Ação Cultural (ProAC) do governo de São Paulo. O custo de Maria Callas, por sua vez, não está disponível. Segundo a revista Screen Daily, Jonas Dornbach, produtor alemão do filme, “não revela o orçamento exato, mas confirma que foi superior a 20 milhões de dólares” – duzentas vezes o custo do documentário sobre Luiz Melodia.
Tamanha disparidade revela o impasse que todo filme brasileiro enfrenta, documentários em especial – concorrem, no mercado interno, com produções estrangeiras resultantes de investimentos muito superiores, beneficiadas, além disso, por gastos expressivos em publicidade e divulgação ao serem lançadas em escala mundial. Entre comprar ingresso para assistir a um filme no qual milhões de dólares foram investidos para ser produzido, fora outro tanto em sua comercialização, e pagar o mesmo preço ou valor equivalente para ver no cinema uma produção feita com orçamento duzentas vezes menor, o bom senso recomenda, à primeira vista, a quem busca entretenimento, optar pelo produto no qual foi investido mais, e não menos, recursos.
A falha desse raciocínio, sem chegar a invalidá-lo de todo, está no fato de filmes não serem produtos fabricados em série, como automóveis, televisores e máquinas de lavar. A peculiaridade da indústria cinematográfica é ser uma “economia da singularidade” que “elabora protótipos” – cada filme é um filme –, conforme definiu René Bonnell em La vingt-cinquième image – Une économie de l’áudiovisuel, de 1989, sem tradução brasileira. Donde ser uma atividade de alto risco e comparar filmes exigir cautela.
Luiz Melodia – No Coração do Brasil é simples, porém vital, enquanto Maria Callas é suntuoso, mas tem um aspecto fake que o prejudica.
O documentário de Dorgan reúne amplo e variado conjunto de gravações em vídeo e filmagens, algumas amadoras, incluindo entrevistas e atuações em shows que permitem conhecer um pouco da biografia e personalidade marcantes de Melodia, além de ouvir algumas de suas canções de maior sucesso cantadas por ele ou em dupla com suas grandes intérpretes. A qualidade técnica da miscelânea de imagens usadas é desigual, o que, além de sugerir ter faltado recursos suficientes para serem restauradas, relembra a preservação precária de nossos acervos audiovisuais.
Larraín e o roteiro de Knight, por sua vez, estão mais interessados em episódios da biografia de Maria Callas, alguns verdadeiros, outros imaginados, do que em sua carreira de soprano, sem por isso deixar de incluir trechos de gravações originais de suas célebres atuações.
Jolie declarou na conferência de imprensa do Festival de Veneza, em 2024, ter treinado “quase sete meses” para aprender a cantar ópera (período antes curto do que longo para um aprendizado como esse).
Angelina Jolie no papel de Maria Callas (Crédito: Divulgação)
Segundo Larraín contou à IndieWire, a voz da atriz foi mixada com a de Callas na pós-produção: “Então, às vezes você ouve 1% da voz de Angelina, às vezes é 5%, às vezes é 40%. Em algumas vezes, não com muita frequência, mas acontece, você ouve 60% ou 70% da voz de Angelina.” Explicação surpreendente que parece fantasiosa, segundo a qual o espectador ouviria um blend de Callas e Jolie.
Vendo o filme, a impressão causada de modo geral é de estar ouvindo apenas a voz de Callas, conforme consta, aliás, dos créditos finais, onde os trechos das óperas reproduzidos no filme trazem a informação de serem performed by Maria Callas (cantadas por Maria Callas). O próprio Larraín admite, aliás, que, “sendo um filme sobre Maria…você quer ter a voz dela, mas para tornar isso verossímil Angelina teve de cantar em voz alta na frente da equipe e de centenas de figurantes…”. À Variety, Larraín chegou a afirmar que se você não acredita que Angelina está realmente cantando, não há filme, e acho que ela conseguiu.” Afirmações dúbias, pois a atriz pode até ter cantado durante a filmagem, mas sem que a voz dela seja audível na mixagem final. Para achar, como o diretor, que Jolie conseguiu, é preciso ser muito crédulo.
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