O desdém de Bolsonaro pelo filme “Ainda estou aqui” e Fernanda Torres
"Nem vou perder meu tempo, tenho o que fazer. Conheço a história melhor que eles", afirmou o ex-presidente
Ainda estou aqui é o primeiro filme brasileiro indicado ao principal prêmio do Oscar, no qual também disputará neste ano a estatueta de melhor filme internacional e de melhor atriz, com Fernanda Torres no papel de Eunice Paiva. No Brasil, já atraiu mais de 3,8 milhões de espectadores desde que estreou nos cinemas, no dia 7 de novembro do ano passado. Questionado se já assistiu ao longa e se torceria por sua protagonista, o ex-presidente Jair Bolsonaro desdenhou:
“Nem vou perder meu tempo, tenho o que fazer. Conheço a história melhor que eles”, afirmou, em entrevista ao repórter Daniel Carvalho, da Bloomberg, publicada nesta quarta-feira.
A produção, baseada no livro de mesmo nome de Marcelo Rubens Paiva, narra a jornada de Eunice Paiva após seu marido, o ex-deputado federal Rubens Paiva (no filme, Selton Mello), ser torturado e morto nos porões da ditadura militar em 1971, deixando um vazio na vida da viúva e de seus cinco filhos — entre eles o autor da obra. O corpo do político nunca foi encontrado.
Bolsonaro afirmou à reportagem que “gostaria que Paiva estivesse vivo”, mas disse que “a história é contada pela metade” e “glamourizada para um lado só”.
A relação do ex-presidente com os Paiva é antiga. Ele passou parte de sua adolescência em Eldorado Paulista (SP), no Vale do Ribeira, onde a família do ex-deputado, cassado pelo regime militar logo após o golpe de 1964, era dona da Fazenda Caraitá e tinha influência sobre a economia e a vida social no município.
Jair Bolsonaro, por sua vez, nasceu em uma família humilde. Na biografia escrita por Flávio Bolsonaro sobre o pai, Mito ou Verdade, o político afirma que as diferenças de classe o incomodavam e que “parte considerável do território da cidade de Eldorado Paulista era de domínio particular, uma fazenda enorme chamada Caraitá – que hoje seria um latifúndio”. A fazenda já foi até mencionada por Bolsonaro, afirmando que existia uma ligação entre Paiva e Carlos Lamarca, guerrilheiro que operou na região — o que já foi refutado pelos Paiva. Além disso, o ex-presidente retratava os filhos de Rubens como jovens privilegiados que desfrutavam de luxos inacessíveis.
Quando virou deputado federal, na década de 1990, Bolsonaro foi ao plenário negar que o político tenha sido assassinado por militares. Na versão dele, Rubens foi morto por guerrilheiros de esquerda. Durante a inauguração de um busto em homenagem ao político na Câmara, o então parlamentar cuspiu na estátua, chamando-o de “comunista” e “vagabundo”, segundo relatos de seus filhos.