“Maria”, com Angelina Jolie, falha ao retratar a complexidade de Callas
O filme com Angelina Jolie tenta retratar a complexidade de Maria Callas, mas falha em oferecer profundidade e coesão
Como você soluciona um problema como Maria? A pergunta não poderia ser mais pertinente ao abordar Maria, filme de Pablo Larraín sobre Maria Callas com Angelina Jolie no papel principal.
Assim como a icônica canção do musical A Noviça Rebelde, que reflete a incapacidade da noviça Maria de se adequar às normas do convento, o longa sobre a mais famosa cantora de ópera dos últimos tempos parece não encontrar uma resposta satisfatória para os mistérios, as complexidades e as contradições da maior soprano do século 20.
O resultado é um filme que tenta ser poético e ousado, mas que não entrega um retrato coeso e genuíno de sua protagonista.
Maria Callas foi, sem dúvida, um dos grandes ícones do século passado, tanto que foi apelidada de “La Divina”. Sua vida misturava genialidade artística e drama pessoal avassalador: filha de emigrantes gregos, criada entre os Estados Unidos e a Grécia, Maria teve que enfrentar dificuldades econômicas, uma mãe abusiva e um mundo dominado por homens.
Tudo isso moldou a persona forte e enigmática que conquistou o mundo da ópera e colocou a música erudita em um patamar pop.
Claro que esse é um resumo simplista e excessivamente curto sobre uma das mulheres mais interessantes que passaram pelo planeta, mas se não souber de nada da vida dela, vai passar por Maria ainda mais confusa sobre a razão de que mais uma vez o cinema tenta decifrá-la.
Maria Callas e a complexidade emocional
A Maria Callas do filme de Larraín é, ao mesmo tempo, excessivamente fictícia e frustrantemente superficial. A escolha de focar nos últimos dias de sua vida, acompanhando seu isolamento em Paris, promete explorar a vulnerabilidade por trás da ostensiva diva, mas não entrega a profundidade que a história exige.
É uma fórmula que o diretor já usou antes, tanto em Jackie como em Spencer, com resultados igualmente criticados. Isso porque a narrativa confusa, fragmentada e repleta de liberdades históricas acaba prejudicando não só o filme, mas também a performance de Angelina Jolie, que luta para dar vida a uma personagem mal escrita.
Embora a atriz demonstre compromisso e imponha presença em cena, sua atuação é sabotada por um roteiro que transforma Callas em uma figura bidimensional, sem dar espaço para a verdadeira complexidade emocional da personagem.
O roteiro, assinado por Steven Knight, mais conhecido pela série Peaky Blinders, mas que também assinou Spencer, opta por reinterpretar Callas como uma espécie de feminista avant la lettre, algo que ela jamais foi.
Falhas do filme
Maria Callas não apenas viveu em um mundo que esperava submissão das mulheres, mas ela própria acreditava no papel tradicional feminino. Sua relação tóxica e autodestrutiva com Aristóteles Onassis, que consumiu boa parte de sua energia e saúde emocional, é romantizada no filme de forma que não contextualiza ou aproveita a complexidade dessa dinâmica.
É porque sou fã apaixonada e profunda conhecedora da vida e da carreira de Maria Callas que considero uma falha notável o quase descuido para ressaltar momentos cruciais da vida dela. Logo de cara temos um clip de momentos lendários de sua vida e carreira, mas nenhum deles é realmente explicado.
O mais importante e omitido talvez tenha sido a transformação física que marcou a carreira de Callas, que saiu do sobrepeso para a magreza icônica, e que não tem o destaque necessário para explorar como isso impactou sua saúde, sua voz e sua relação com a imagem pública.
Ainda mais grave é a falta de explicações sobre o seu vicio em remédios que ocasionou a sua morte precoce. (Dica: para entender leia a entrevista que fiz com a biógrafa Lyndsy Spence, aqui em CLAUDIA, em 2023, onde falamos todos os detalhes que precisam saber para acompanhar Maria).
Em um filme de Callas, a música sempre seria o elemento essencial, mas até ela não recebe o tratamento devido. Embora o filme tenha canções icônicas, como Casta Diva e Vissi d’arte, elas soam desconexas e, em alguns casos, quase cafonas.
Como assim? A cena imaginada de Maria cantando a plenos pulmões com as janelas abertas é um momento “Caruso” que jamais aconteceu e que a verdadeira Maria Callas nunca admitiria fazer.
Ela era perfeccionista e lidava com sua arte como religião. No entanto, é o “momento Oscar” de Angelina, a cena na qual ela realmente brilha. Paradoxal, não é?
Performance de Angelina Jolie é um verdadeiro desafio
Então vamos falar de Angelina Jolie, em seu papel de maior desafio e destaque artístico dos últimos 8 anos. Quando tinha apenas 20 anos, ela colecionou todos os prêmios possíveis por atuações em filmes e séries biográficas (Gia e Wallace, depois Garota Interrompida, pelo qual ganhou o Oscar de Atriz Coadjuvante), mas apostou mais em filmes de ação (com ocasionais aventuras em produções de arte).
Nesse aspecto, ela comentou, se sentiu muito próxima de Callas, embora as duas estejam tão distantes quanto possível em termos de personalidade. Ela está maravilhosa em Maria, todas as falhas que mencionei não são sobre a atriz.
Sua indicação ao Oscar não está garantida por várias razões, da distribuição restrita do filme à pressão dos amigos de seu ex-marido, Brad Pitt, mas é preciso parabenizá-la por ter se arriscado com tanta entrega.
Como mencionei, Pablo Larraín havia criado uma expectativa ao trazer sua fórmula testada em Jackie e Spencer para Maria. Mas, enquanto os retratos de Jacqueline Kennedy e Diana Spencer souberam explorar momentos específicos que definiam suas protagonistas, Maria não consegue capturar a essência multifacetada de Callas.
O filme tropeça ao tentar transformar uma mulher tão complexa em uma figura que se encaixe em uma narrativa contemporânea que pouco dialoga com quem ela realmente foi.
No final, volto à pergunta que abre esta coluna: como se soluciona um problema como Maria? Talvez o segredo esteja em aceitá-la como um enigma, uma força contraditória e, acima de tudo, única — algo que o filme infelizmente não consegue fazer.
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