Magnólias e Macarons
São as flores das cerejeiras que dão a dica, melhor que qualquer marmota, de que o inverno finalmente acabou. Em toda primavera, desde o meu primeiro ano no Canadá, ando em direção a essa fileira de árvores rosa pálido, esperando alguma espécie de arrebatamento: o sorriso espontâneo, o calor no peito, aquela leveza alegre que causa formigamento na pele, quando me deparo com algo verdadeiramente bonito. Escolho uma manhã cinza, fria e chuvisquenta, na esperança de evitar as comuns aglomerações dos dias ensolarados.Talvez eu tenha sido excessivamente mimada por uma vida brasileira carregada de ipês brancos, amarelos, roxos e cor-de-rosa, cujas copas coloridas espalhadas por São Paulo contrastavam contra as nuvens monótonas. Os ipês, na minha memória, são fluorescentes como as pulseirinhas dos festivais de música eletrônica da minha juventude. As cerejeiras, ao contrário dos ipês, empalidecem nos dias chochos. Como fotos de prédios novos em folhetos imobiliários, precisam de um otimista azul sem nuvens para brilharem. O céu chuvoso da primavera de Toronto abafa sua formosura, como um emaranhado de fios elétricos e postes sujos na frente do empreendimento de luxo. Cerejeiras num dia cinza. Minha reação às cerejeiras é sempre morna. É bonito. Mas não emociona. Caminho, passo por elas, até encontrar magnólias. Gosto de magnólias. São como a versão agigantada e extrapolada das cerejeiras. As duas têm a mesma paleta de cores e florescem, sem folhas, na mesma época. Mas só as cerejeiras causam filas de Instagramers posando sob suas copas delicadas. E as magnólias observam passarinhos. As cerejeiras, eu entendo, têm uma beleza clássica que atrai. É conservadora, delicada, moça de família. Se as cerejeiras fossem uma pessoa, ela seria o tipo de pessoa que sempre pede sorvete de baunilha. Seria a pessoa que senta de pernas cruzadas, com as mãozinhas nos joelhos, exibindo no pulso um reloginho de ponteiros e uma correntinha de ouro, presente da mãe do namorado que ela nunca viu sem roupa. Se as cerejeiras fossem uma pessoa, elas seriam a pessoa que passa hidratante com cheiro de flor de cerejeiras e que escova o cabelo o mesmo número de vezes antes de ir dormir. O que está tudo bem. Desejo toda felicidade do mundo às cerejeiras. Mas eu gosto de magnólias. Das flores imensas que você não espera ver na ponta de um galho de árvore. Dessa exuberância quase tropical, de alguém que usa brinco grande e vestido de chita.Se as magnólias fossem uma pessoa, elas seriam o tipo de pessoa que pede sorvete de missô, pra saber que gosto tem. Seriam o tipo de pessoa que senta na grama e tira o sapato. Seriam uma pessoa que vira e mexe quebra um copo, porque usa sempre os braços para falar. Seriam a pessoa que grita o seu nome do outro lado da rua só pra te dizer oi. Quando chega a primavera, as magnólias saem de shortinho quando está dez graus. As cerejeiras usam o cardigã combinando com os sapatos. Magnólias num dia cinza. Olho para as magnólias sob o chuvisco fino de uma manhã sem luz, e sorrio. O peito aquece. A pele formiga. Deixo-me arrebatar pelo riso alto das flores grandes. Piso em poças d'água enquanto ouço passarinhos. Volto para casa com energia para fazer macarons.Macarons são o doce favorito da pessoa-cerejeira. Mas a pessoa-magnólia acha que gostar de macarons não define uma pessoa, e se joga no projeto simplesmente porque é divertido preparar um doce tão cheio de fricote numa quinta-feira à tarde. Tentei fazer macarons uma vez, ainda no Brasil. Na época, havia todo um frenesi internet afora a respeito dos macarons franceses. Acho que foi quando saiu o filme da Sofia Coppola sobre a Maria Antonieta, e os americanos descobriram os macarons. Todos os blogs estrangeiros tinham receitas coloridas de sabores inusitados e dicas infalíveis em processos complicadíssimos para alcançar idílica perfeição macarroneana dos mestres confeiteiros. Sendo ainda uma louca obcecada por todo o tipo de comida que eu nunca provara na vida, eu precisava, PRECISAVA preparar macarons. Inventei de usar açúcar comum e moer minhas próprias amêndoas, porque, afinal, COM CERTEZA todos os chefes confeiteiros do mundo estão errados nos seus minuciosos métodos. Às vezes a pessoa-magnólia tem que aprender com a pessoa-cerejeira. O resultado foi uma braçada de suspiros de amêndoa. Óbvio. Alguns anos depois, passei vinte e oito minutos na fila da confeitaria de Pierre Hermé, em Paris, para comprar uma caixinha delicada com quatro pequenos macarons. Não me lembro quanto paguei naquela caixinha. Mas o horror do marido ao calcular o preço em reais, com uma cotação de 4 para 1, ficou marcada para sempre na memória.Esses biscoitos devem valer muito a pena, ele disse, apanhando o de caramelho salgado para provar. Não valem, foi a conclusão. Os tão sonhados e perdulários macarons foram ligeiramente decepcionantes: eram tão leves, tão leves, que desapareciam na boca tão logo tocassem a língua. E o sabor... era ok. O biscoito
São as flores das cerejeiras que dão a dica, melhor que qualquer marmota, de que o inverno finalmente acabou. Em toda primavera, desde o meu primeiro ano no Canadá, ando em direção a essa fileira de árvores rosa pálido, esperando alguma espécie de arrebatamento: o sorriso espontâneo, o calor no peito, aquela leveza alegre que causa formigamento na pele, quando me deparo com algo verdadeiramente bonito. Escolho uma manhã cinza, fria e chuvisquenta, na esperança de evitar as comuns aglomerações dos dias ensolarados.
Cerejeiras num dia cinza. |
Magnólias num dia cinza. |
Na manhã seguinte, o sol nos chamou para fora, e apanhamos as bicicletas para pedalar ao longo do lago. Atravessamos o parque e a rua onde ficam as cerejeiras, cujo rosa esmaecido sorria contra o céu azul sem nuvens. Continuamos por mais dez quilômetros até um parque distante, onde tirei da mochila um pote plástico com uma fileira de macarons.
"Gosto mais das magnólias!", disse Allex, apontando para uma árvore madura num quintal da frente, explodindo em grandes flores tão rosa quanto os docinhos franceses.
"Eu também."
- 2 xic. (225g) açúcar de confeiteiro
- 1 1/3xic. (125g) farinha fina de amêndoas descascadas
- 3-4 claras de ovo grandes, em temperatura ambiente
- 1/4 colh.(chá) extrato de amêndoas
- 3 -6 gotas de corante alimentício (opcional) - eu usei um natural
- 3/4 xic. do recheio de sua escolha (geleia, ganache, nutella, buttercream, manteiga de amendoim, lemon curd...)
- Combine o açúcar e a farinha de amêndoas numa tigela e misture cuidadosamente com um fouet. Passe por uma peneira uma ou duas vezes, até que a mistura esteja aerada. Isso facilita na hora de misturar às claras.
- Num copo ou jarra medidor, derrame as claras até que elas preencham o espaço exatamente entre 1/3 e 1/2 xícara. Ou meça 105g. Guarde o restante das claras para outro preparo.
- Transfira as claras medidas para a tigela da batedeira. Bata em velocidade média, até que formem picos moles quando o batedor é levantado.
- Junte o extrato de amêndoas e corante, se estiver usando, e continue a bater em velocidade alta até obter picos firmes quando o batedor é levantado. Se você virar a tigela, as claras têm que se manter no lugar, sem escorrer pra lado nenhum, e até permanecerem na tigela quando viradas de ponta cabeça. Visualmente, elas devem ainda estar acetinadas, brilhantes e lisas. Se estiverem granulosas ou opacas, passaram do ponto e estão secas.
- Coloque toda a mistura de amêndoas e açúcar sobre as claras. Usando uma espátula reta (não as com forma de colher), misture, trazendo as claras do fundo para o topo da farinha de amêndoas, num movimento circular. Você não precisa ser tão cuidadosa quanto seria com as claras em neve de um bolo. Pode misturar com um pouco mais de energia, mas não tanto que a massa desinfle totalmente. A massa vai, no entanto, ficar com metade do volume que as claras tinham originalmente, e está tudo bem. Pare assim que nãou houver mais traço de farinha de amêndoas e tudo pareça incorporado. A massa será espessa e úmida, com uma consistência que eu imagino que tenha lava quando ela está começando a esfriar.
- Você vai precisar de duas assadeiras grandes. Forre as assadeiras com papel-manteiga. Agora você pode usar uma colher de chá para colocar montinhos iguais na assadeira, deixando cerca de 3cm entre eles. Ou pode transferir a massa para um saco de confeitar com um bico pequeno (ou uma das pontas de um saco ziplock, como eu fiz, fazendo um corte bem pequeno na ponta) e usar o saco para formar montinhos. Nesse caso, aproxime o bico da assadeira, aperte, e deixe que a massa saia e espalhe até formar um círculo de uns 3cm.
- Agora pegue as suas assadeiras cheias de montinhos e, segurando nas laterais, levante e bata a assadeira uma ou duas vezes na bancada (veja o video). Isso vai tirar algumas bolhas grandes de ar que podem estar dentro dos macarons, e vai terminar de espalhá-los. Agora, sem cobrir, deixe as assadeiras em temperatura ambiente por pelo menos 30 minutos, mas não mais do que 1 hora, dependendo da umidade do ar. O descanso vai ressecar a superfície e formar uma casquinha fina. Os macarons estão prontos para ir ao forno quando estiverem opacos e você conseguir tocá-los suavemente sem melecar o dedo.
- Enquanto isso, aqueça o forno a 205oC. Posicione as grades do forno nos terços superior e inferior.
- Coloque os macarons descansados no forno e IMEDIATAMENTE abaixe o fogo para 150oC. (Isso vai ser o mínimo na maioria dos fornos. O meu forno do Brasil era desregulado, e, usando um termômetro, descobri que o mínimo dele era 180oC. Para conseguir 150oC pra assar suspiros, eu abaixava para o mínimo e deixava a porta entreaberta com uma colher de pau,como minha avó.) Asse nessa temperatura baixa por 12 a 15 minutos, trocando as assadeiras de posição no meio do cozimento. Durante esse tempo de forno, eles vão crescer um pouco para cima, não muito, e criar aquele pézinho típico dos macarons.
- Para saber se estão prontos, eles precisam parecer secos em cima. Toque suavemente um deles, no meio, para sentir se estão muito moles ou se parecem estar bem estruturados (pense suspiro). Você também pode segurar as laterais de um deles e tentar balançá-lo para os lados bem de leve. Se ele parecer se agarrar à assadeira, está pronto. Se ainda estiver dançando e parecer solto da base, volte ao forno por mais uns minutos. Os meus demoraram uns 18 minutos para ficarem prontos. Vai depender mutio do seu forno e do quanto você ficar abrindo e fechando a porta dele.
- Retire as assadeiras e coloque-as sobre grades para esfriarem.
- Quando estiverem COMPLETAMENTE frios, retire-os do papel-manteiga, erguendo o papel, segurando o macaron e puxando O PAPEL delicadamente, como quem descasca uma banana. Se você segurar os macarons e puxá-los pra cima, as bundinhas vão se destacar e ficar grudadas no papel.
- Faça os pares dos biscoitos. Segure aquela que vai ser a base, e coloque de 1/2 a 1 colh. (chá) de recheio. Pressione o biscoito de cima com cuidado, para que o recheio espalhe até as beiradas.
- Guarde os macarons em potes fechados e leve à geladeira por NO MÍNIMO 8 horas. Nesse tempo, eles vão perder a textura de suspiro e ganhar a famosa textura dos macarons. Tire da geladeira alguns minutos antes de servir, para que voltem à temperatura ambiente.