“Homem forte e combativo”, diz diretora de documentário sobre Luiz Melodia
Como um jovem garoto negro, nascido no Estácio, no Rio de Janeiro, conseguiu atravessar fronteiras e chegar à Zona Sul, na casa de Suzana de Moraes, filha do poeta e diplomata Vinícius de Moraes? Essa trajetória repleta de desafios e superação inspira o roteiro do documentário Luiz Melodia: No Coração do Brasil, estreia na direção […] O post “Homem forte e combativo”, diz diretora de documentário sobre Luiz Melodia apareceu primeiro em Harper's Bazaar » Moda, beleza e estilo de vida em um só site.
Como um jovem garoto negro, nascido no Estácio, no Rio de Janeiro, conseguiu atravessar fronteiras e chegar à Zona Sul, na casa de Suzana de Moraes, filha do poeta e diplomata Vinícius de Moraes? Essa trajetória repleta de desafios e superação inspira o roteiro do documentário Luiz Melodia: No Coração do Brasil, estreia na direção da cineasta Alessandra Dorgan, que retrata a vida e obra do grande compositor, poeta, músico e cantor. Em cartaz nos cinemas, o filme é uma produção da BigBonsai, a mesma do documentário sobre Dominguinhos. “Melodia era um homem muito elegante e doce com as pessoas à sua volta. A forma como ele falava sobre Torquato Neto (poeta e compositor), Jards Macalé, e Jane, a viúva dele, era muito carinhosa. Ao mesmo tempo, era um homem forte e combativo. Por isso quis começar o filme com esse big bang“, conta a diretora.
A grande explosão, neste caso, é uma apresentação de Melodia, de 1984, no projeto MIS a Mil, onde o cantor aparece dando uma bronca no público. “Enquanto existir música dentro de cada um, existirá liberdade. Já que a repressão é tanta e vocês não querem cantar, vamos pelo menos dançar.” Melodia era assim: o poeta mais doce, capaz de compor versos líricos como “quem quer morrer de amor, se engana. Momentos são, momentos drama”, da canção Presente Cotidiano, gravada por Gal Costa no álbum Índia, mas que também podia ser duro em alguns momentos.
“Ele nunca perdeu a doçura, mas tinha suas fases de amargura. Teve alguns hiatos na carreira, o que deixa qualquer artista triste. Ele oscilou entre momentos de amargura e outros de sucesso e felicidade, por estar fazendo aquilo que acreditava. A pessoa nasce para o que é. Porém, no trato pessoal, era de uma gentileza sem tamanho, sempre bonito, elegante e educado”, conta a jornalista e diretora musical Patrícia Palumbo, que entrevistou Melodia para seu livro Vozes do Brasil, de 2002. A gravação desta entrevista intimista realizada na casa do artista serviu de base para que Dorgan pudesse contar a história de Melodia em primeira pessoa.
PRIMEIRA PESSOA
Optar por narrar tudo em primeira pessoa trouxe um grande desafio para a produção, como ilustrar, com imagens de arquivo, toda a trajetória de Luiz Melodia? Desde a infância no Morro de São Carlos, no Estácio, nos anos 1950, até sua chegada à zona sul carioca nos anos 1970, onde se conectou com nomes como Gal Costa, Jards Macalé, Torquato Neto, Waly Salomão e outros tropicalistas. Passando pelo sucesso estrondoso de Juventude Transviada, trilha da novela Pecado Capital, o lançamento do álbum Mico de Circo na Bahia, sua apresentação no Festival de Montreux, na Suíça, e culminando em seus últimos anos de vida.
“A pesquisa foi feita de forma online, durante a pandemia, em diversos acervos como Cinemateca, TV Cultura, Globo, Arquivo Nacional. Em seguida, eu e a Patrícia fomos ao Rio nos encontrar com a Jane Reis, que me deu uma caixa dessas de mudança com tudo o que ela tinha dele em vídeo. Tivemos também a sorte de encontrar alguns rolos de Super 8, que nunca haviam sido revelados, e que traziam imagens raras do Luiz caminhando na Bahia, reflexivo. Mesmo assim, ainda precisávamos de imagens para ilustrar a turma do Melodia e sua infância no Estácio. Nosso editor, o Joaquim Castro, deu a brilhante ideia de usarmos cenas de filmes brasileiros, de cineastas como Ivan Cardoso, Nelson Pereira dos Santos e Cacá Diegues, e assim chegamos ao resultado final”, conta Alessandra.
SUA TURMA
Embora o filme destaque a turma dos anos 1970, Melodia revela em uma cena que sua verdadeira “panelinha” era apenas o compositor e músico Sérgio Sampaio, como explica Palumbo: “Ele era um outsider mesmo dentro dessa turma. É uma história de deslocamento social. Ele veio do morro, e fazia parte dessa turma apenas artisticamente falando. Melodia é pós-Tropicalista. Quando você faz esse deslocamento, você sempre fica meio outsider”.
Já Alessandra conta que “Jards Macalé, era o grande ídolo dele na Tropicália, e depois veio a se tornar seu amigo. Wally Salomão o apresentou aos baianos que estavam no Rio. Em alguns momentos ele atuou como mentor artístico. Foi Wally quem levou as músicas de Melodia para Gal [Costa] e [Maria] Bethânia. Porém, ele nunca se identificou como um Tropicalista.” Uma das cenas mais emocionantes é quando Gal canta Pérola Negra, no mítico show Gal Fatal. Apesar de ser profundamente musical, o documentário é, acima de tudo, uma história de superação. “Consegui enxergar aquele sonho de menino. Isso estava muito presente nas imagens do início da carreira. Aquele olhar de quem sabia que iria conquistar o mundo e tinha uma certeza interna de que chegaria onde o coração dele desejava. Isso me tocou profundamente”, comenta.
Luiz Melodia (1951 – 2017) carregava o estigma de ser um artista difícil, indomável, que sabia exatamente o que queria. Taxado de “maldito”, viveu uma boemia intensa, mas sem nunca perder o foco em sua arte. “Ele tinha esses dois lados, e eu precisava fazer jus ao Luiz Melodia”, reflete. Até mesmo seu nome artístico, inspirado pelo pai músico que o chamava assim, simboliza essa dualidade: a poesia doce de “Melodia” e a força do Luiz que nunca se deixou moldar.
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