Crítica | Pinguim (HBO, 1ª temporada): ascensão ao poder brutal e autossuficiente
Com uma trama envolvente e atuações memoráveis, série entrega uma visão complexa e sem romantização do vilão, questionando lealdades, ambições e o real preço do poder. O post Crítica | Pinguim (HBO, 1ª temporada): ascensão ao poder brutal e autossuficiente apareceu primeiro em Cinema com Rapadura.
Após o lançamento de “The Batman” em 2022, muito se falou sobre a expansão desse novo universo protagonizado por Robert Pattinson e comandado pelo cineasta Matt Reeves. Eis que dois anos depois, uma trama que fatalmente se desenrolaria fora das telas ganhou vida como uma série de TV: a ascensão de Oz Cobb no submundo de Gotham. Com Colin Farrell no papel principal, “Pinguim” se afasta das tradicionais histórias de vilões que dependem de heróis para estabelecer um contraste moral. Em vez disso, entrega uma narrativa onde o protagonista é genuinamente comprometido com sua busca pelo poder, sem que isso signifique a redenção de suas atitudes.
Agora com tempo e foco em seu personagem, Farrell, ao lado da showrunner Lauren LeFranc, inserem esse Pinguim em uma nova dinâmica, mais distante do que se conhece pelo subgênero de super-heróis, e mais próxima dos tradicionais dilemas das histórias de máfia. A série aposta em mostrar como os impulsos de Oz e sua ambição convivem com sua fragilidade emocional, sugerindo que o vilão é movido por mais do que apenas o desejo de poder. Ele quer o respeito que nunca teve, o reconhecimento pelo qual sempre foi subestimado, e é essa motivação que torna cada decisão, por mais instintiva que seja, um passo na busca por se afirmar diante de uma cidade que o rejeitou.
Ao seu lado — e por vezes em seu caminho —, surge outra personagem com tanto peso para a história que seu nome poderia estar no título da produção. Sofia Falcone (Cristin Milioti) compartilha uma relação ambígua com Oz, dividindo traumas e ambições, mas também mantendo seus próprios objetivos. Milioti consegue promover uma presença que tensiona o fio da lealdade entre eles, várias vezes colocando em xeque até onde um personagem consegue confiar no outro. Esse vínculo, construído sobre o passado em comum e a conexão com Carmine Falcone, cria um clima de intriga e incerteza que prende a atenção do público. Sofia tem uma motivação de longa data para retomar o controle do império de sua família, mas não hesita em manipular e testar Oz a cada episódio, criando um jogo de gato e rato numa panela de pressão que constantemente desestabiliza a trajetória de ambos.
A estética visual da série funciona para o seu propósito, usando a própria cidade como um reflexo da deterioração emocional e moral de seus personagens. A atmosfera quente e soturna de “The Batman” dá lugar a uma Gotham que foca nas sufocantes sombras e becos subterrâneos das áreas mais desprovidas, sem deixar de contrastar com a opulência dos mais ricos. É interessante também como a série desenvolve o Pinguim sem necessariamente justificar o seu comportamento, mas sim explorando o custo de sua ambição. Ao fazer isso, notamos uma crítica sutil ao próprio espectador, que acompanha os esforços de Oz e se pega por vezes torcendo, mesmo que relutantemente, pelo sucesso de alguém que deveria ser apenas um antagonista. Claro que faz parte do trabalho dos roteiristas induzir o público a gostar do protagonista. A introdução de personagens secundários, como Victor Aguilar (Rhenzy Feliz) e Francis Cobb (Deirdre O’Connell), traz a carga dramática necessária para criar uma certa empatia com Oz.
Victor, jovem e ingênuo, funciona como uma espécie de espelho, oferecendo um olhar inocente e influenciável para as atitudes sombrias do Pinguim e forçando o público a confrontar a complexidade moral do vilão. Já Francis Cobb, mãe de Oz, sintetiza uma dimensão familiar que esclarece as feridas emocionais do vilão. Com sua saúde mental fragilizada, ela se torna uma peça importante no quebra-cabeça da identidade de Oz, destacando como seus traumas e cicatrizes familiares moldaram suas ambições.
Vale salientar que a decisão de não fazer com que o Batman seja uma figura presente em “Pinguim” permite que o vilão cresça sem a sombra opressiva do homem-morcego. Em vez de se preocupar em amarrar cada detalhe ao universo mais amplo da franquia, a série investe em sua própria autossuficiência e profundidade, concentrando-se em mostrar Oz enfrentando sua escalada de poder de forma independente. As tramas e conflitos destes personagens secundários de Gotham ganham vida própria, e as disputas pelo controle da cidade revisitam dilemas morais e emocionais que vão além de lutas entre o bem e o mal. Esse enfoque questiona a necessidade de referências constantes a um universo compartilhado, mostrando ser possível criar uma narrativa cativante e capaz de se sustentar por suas próprias nuances.
No fim, “Pinguim” transcende o status de spin-off para se firmar como uma obra completa e independente, que reafirma a todos a sua razão de existir mesmo se todas as referências ao universo do Batman fossem apagadas. Com a habilidade de Farrell em equilibrar brutalidade e vulnerabilidade, a série redefine a ideia de que histórias sobre vilões precisam transformá-los em anti-heróis para funcionarem.
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