Crítica | Jurado Nº 2 (2024): olhar inigualável sobre a fragilidade da justiça e a verdade
Clint Eastwood explora os limites morais e éticos do sistema judicial em um drama que coloca a justiça no banco dos réus. O post Crítica | Jurado Nº 2 (2024): olhar inigualável sobre a fragilidade da justiça e a verdade apareceu primeiro em Cinema com Rapadura.
O novo e possivelmente último longa metragem de Clint Eastwood nem sequer chegou às telonas em muitos países, tendo sua estreia limitada ao catálogo da Max. A estratégia restritiva de lançamento da Warner não corresponde à importância do diretor eneagenário, tampouco dá valor a um dos melhores filmes de 2024. “Jurado Nº 2” é um drama de tribunal que abre mão dos mistérios corriqueiros do subgênero para promover uma análise meticulosa sobre moralidade e responsabilidade, e cujo foco absoluto é a busca pela verdade.
Justin Kemp (Nicholas Hoult), alcoólatra em recuperação, é convocado para ser jurado em um caso de assassinato brutal — a morte de uma mulher supostamente assassinada pelo namorado —, quando enfrenta uma situação inesperada: ele pode ser o verdadeiro responsável pela morte que está sendo julgada. Enquanto Justin é levado a encarar a própria verdade e precisa decidir se confessar é um caminho possível, Eastwood traz um olhar profundo sobre as fragilidades humanas e os dilemas éticos que moldam o sistema de justiça.
É curioso perceber como esse ponto de partida inverte a lógica dos filmes de tribunal tradicionais. Aqui, a atuação da acusação (especificamente no tribunal) e da defesa não são essenciais para resolver a situação. O caso é um espelho das decisões de Justin, que se recusa inicialmente a seguir os demais jurados e declarar o suspeito culpado. Isso acaba transformando o julgamento em uma arena de confrontos morais. Cada argumento que ele levanta contra a condenação do réu reflete, na verdade, seus próprios dilemas internos, criando uma narrativa na qual a consciência vale mais para a justiça do que a própria lei.
O roteiro é construído com capricho pelo estreante Jonathan A. Abrams, trabalhando com premissas diretas e evitando mistérios desnecessários. Podemos não ter uma cena definitiva — e nem era preciso — mas desde o início, sabemos que Justin carrega uma culpa inegável. Contudo, o interesse do filme reside nas consequências dessa revelação, tanto para ele quanto para os demais. As falhas do sistema jurídico e dos indivíduos que o compõem são expostas com clareza: jurados desinteressados, lacunas legais e um sistema preocupado demais com eficiência sem dar o devido valor à verdade. Doze pessoas de qualificações e interesses questionáveis (algumas sequer querem estar lá) são mesmo as melhores opções para decidir o destino de alguém?
A atuação de Nicholas Hoult é carregada de tensão, demonstrando uma vulnerabilidade característica de um homem assombrado por sua culpa, ao mesmo tempo que age com astúcia para manipular um sistema falho. Seu trabalho é complementado pela direção segura de Clint Eastwood, que conduz o drama com a paciência de quem confia na capacidade que a história tem de prender a atenção do espectador. Mais do que isso, “Jurado Nº 2” provoca reflexões inquietantes ao colocar em xeque a capacidade do indivíduo de julgar objetivamente frente a suas falhas. Somos levados a questionar se a própria justiça é isenta ou moldada por interesses e emoções humanas.
Em uma fala marcante, a juíza Thelma Hollub (Amy Aquino) declara que, apesar de suas imperfeições, o sistema judicial é “o melhor que temos”. Será mesmo? Eastwood ecoa esse sentimento no decorrer do filme ao despir essas mesmas falhas com uma visão crítica, mas não cínica. O diretor não propõe soluções revolucionárias, mas deixa claro que a verdade, por mais dolorosa que seja, é um fardo que ninguém pode evitar carregar. E o peso dessa culpa é o que ocupa a tela na sequência final, cuja ambiguidade reflete a própria falta de certeza que permeia toda a obra.
“Jurado Nº 2” instiga a refletir sobre a complexidade da moralidade e o limite delicado entre crime, castigo, culpa e redenção, deixando perguntas que ressoam muito além dos créditos finais. A própria dicotomia “inocente x culpado”, que costuma ser o ápice dos longas de tribunal, aqui é contestada pela falta de nuances necessárias, como nível de ameaça, intenção, remorso, reincidência… e por como não é possível confirmar nenhuma dessas nas circunstâncias apresentadas. Trata-se de um drama reflexivo e muito relevante, um raro exemplar de cinema elaborado em tempos em que narrativas simplistas dominam o entretenimento contemporâneo.
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