10 Considerações sobre Imagens da Branquitude - A presença da ausência, de Lilia Miritz Schwarcz ou da urgência do letramento racial
O Blog Listas Literárias leu Imagens da Branquitude - A presença da ausência, de Lilia Moritz Schwarcz publicado pela Companhia das Letras; neste post as 10 considerações de Douglas Eralldo sobre o livro ou da emergência do letramento racial na sociedade brasileira, confira:1 - Imagens da Branquitude é um vasto e denso estudo documental a partir das imagens da cultura em que se verifica o conceito não assumido da branquitude em que, ou pela ausência ou pela inclusão em posições pré-determinadas ou "autorizadas" dos negros, faz ressoar todo o racismo presente em nossas estruturas sociais desde o colonialismo; nesse sentido, não apenas um documento de pesquisa, mas uma demonstração da emergência do letramento racial a fim de tanto compreendermos as estruturas da desigualdade, bem como a necessidade de uma luta ampla para solucioná-las;2 - E Lilia Schwarcz apresenta suas intenções, objetivos e conceitos de pronto ao leitor apresentando sobre este livro, espaço em que traz, por exemplo, definições do termo branquitude, que "corresponde a um sistema internalizado de privilégios materiais e simbólicos que se ancora no passado mas exerce suas prerrogativas no presente". Importante destacar como a autora contrasta os termos, no caso de negritude, um conceito identitário e de valor positivo a partir das lutas de movimentos sociais, enquanto no caso de branquitude, se dá ao contrário, pois "paradoxalmente, a branquitude, enquanto represnetação social conforma uma sorte de "invisibilidade" que não gera reflexão sobre si. Transforma-se, pois, na norma que não precisa ser nomeada, que classifica os "outros", e que, não obstante, não é classificada". Nesse sentido, a autora coloca então que "a branquitude é entendida como um fenômeno histórico vivido, subjetivamente e internamente de maneira mais ou menos consciente, pelo grupo que é assim externamente definido". Então, por tais razões Schawrcz ressalta que "reconhecer a existência da branquitude, suas representações e impactos sociais é, portanto, uma desafio para essa sociedade que carrega a utopia de se constituir como uma democracia plena, mas que precisa enfrentar o racismo estrutural que organiza suas relações";3 - Nesse aspecto a escolha da autora por trabalhar a partir de um conjunto de imagens, não apenas é acertada, como reveladora deste pacto não assumido, pois que as imagens dão conta não apenas do que seus contratantes ou executores pretendem dizer, mas deixam escapar pelas bordas e pelas nuances do que não está lá ou presente perifericamente, as coisas não ditas e, inclusive, que contradizem os objetivos iniciais destas mesmas imagens. Passada a nota dirigida aos leitores, o livro tem na sua introdução a declaração de tal caminho escolhido pela autora, sua posição de fala e seus compromissos. Quanto ao poder das imagens, declara Schwarcz que "Este livro se escreve e se lê a partir de imagens que têm a capacidade de, em primeiro lugar, encantar com sua beleza e com a força de suas formas estéticas. Mas imagens podem também dissuadir, desviar o olhar ao oferecer visões incompletas de si mesmas ou das realidades que dizem descrever. Afinal, ninguém lê livremente e sem as lentes e códigos de sua cultura". De acordo com a autora, "se todas as identidades raciais não passam, como veremos, de ficções sociais que ganham ares de realidade, as imagens que vamos analisar aqui têm a imensa capacidade de criar consigo novas realidades. A realidade de alguma maneira incômoda mas confortável de uma certa cultura da branquitude..."4 - Nesta introdução, consideramos ainda importante destacar o que a autora coloca enquanto uma posição antirracista, pretensões do livro: "essa não é uma questão moral nem uma categoria de acusação. Ela implica o compartilhamento de boa informação e o incentivo a atitudes propositivas. Implica, ainda, tirar o véu e associar também a parte da sociedade criada pelos valores da branquitude nesse tema que não afeta apenas as pessoas negras; diz respeito a todas e todos nós que queremos um país mais justo, democrático e inclusivo. Implica produzir, por fim, autorreflexão, autocrítica e letramento racial para pessoas que, como eu, fazem parte de uma certa cultura social e política da branquitude, e não estão acostumadas a ser racializadas";5 - Para então dar conta de sua proposta, Lilia Schwarcz organiza seu livro através de oito capítulos iniciando por "Eles que são brancos que se entendam" em que não só coloca em discussão o que é a branquitude, como observa as imagens e suas conexões com os provérbios, "frases de efeito, em geral curtas, que nos habituamos a usar, ouvir e repetir sem normalmente pararmos para pensar no significado profundo que contêm". Tal posição não só levada às imagens que nos cercam sem que necessariamente pararmos para pensar em suas significações, como e reforço da lógica que isto, uma interpretação profunda, estabelece-se então como uma necessidade. Neste capítulo temos ainda a preponderância do texto e do conceito, inclusi
O Blog Listas Literárias leu Imagens da Branquitude - A presença da ausência, de Lilia Moritz Schwarcz publicado pela Companhia das Letras; neste post as 10 considerações de Douglas Eralldo sobre o livro ou da emergência do letramento racial na sociedade brasileira, confira:
1 - Imagens da Branquitude é um vasto e denso estudo documental a partir das imagens da cultura em que se verifica o conceito não assumido da branquitude em que, ou pela ausência ou pela inclusão em posições pré-determinadas ou "autorizadas" dos negros, faz ressoar todo o racismo presente em nossas estruturas sociais desde o colonialismo; nesse sentido, não apenas um documento de pesquisa, mas uma demonstração da emergência do letramento racial a fim de tanto compreendermos as estruturas da desigualdade, bem como a necessidade de uma luta ampla para solucioná-las;
2 - E Lilia Schwarcz apresenta suas intenções, objetivos e conceitos de pronto ao leitor apresentando sobre este livro, espaço em que traz, por exemplo, definições do termo branquitude, que "corresponde a um sistema internalizado de privilégios materiais e simbólicos que se ancora no passado mas exerce suas prerrogativas no presente". Importante destacar como a autora contrasta os termos, no caso de negritude, um conceito identitário e de valor positivo a partir das lutas de movimentos sociais, enquanto no caso de branquitude, se dá ao contrário, pois "paradoxalmente, a branquitude, enquanto represnetação social conforma uma sorte de "invisibilidade" que não gera reflexão sobre si. Transforma-se, pois, na norma que não precisa ser nomeada, que classifica os "outros", e que, não obstante, não é classificada". Nesse sentido, a autora coloca então que "a branquitude é entendida como um fenômeno histórico vivido, subjetivamente e internamente de maneira mais ou menos consciente, pelo grupo que é assim externamente definido". Então, por tais razões Schawrcz ressalta que "reconhecer a existência da branquitude, suas representações e impactos sociais é, portanto, uma desafio para essa sociedade que carrega a utopia de se constituir como uma democracia plena, mas que precisa enfrentar o racismo estrutural que organiza suas relações";
3 - Nesse aspecto a escolha da autora por trabalhar a partir de um conjunto de imagens, não apenas é acertada, como reveladora deste pacto não assumido, pois que as imagens dão conta não apenas do que seus contratantes ou executores pretendem dizer, mas deixam escapar pelas bordas e pelas nuances do que não está lá ou presente perifericamente, as coisas não ditas e, inclusive, que contradizem os objetivos iniciais destas mesmas imagens. Passada a nota dirigida aos leitores, o livro tem na sua introdução a declaração de tal caminho escolhido pela autora, sua posição de fala e seus compromissos. Quanto ao poder das imagens, declara Schwarcz que "Este livro se escreve e se lê a partir de imagens que têm a capacidade de, em primeiro lugar, encantar com sua beleza e com a força de suas formas estéticas. Mas imagens podem também dissuadir, desviar o olhar ao oferecer visões incompletas de si mesmas ou das realidades que dizem descrever. Afinal, ninguém lê livremente e sem as lentes e códigos de sua cultura". De acordo com a autora, "se todas as identidades raciais não passam, como veremos, de ficções sociais que ganham ares de realidade, as imagens que vamos analisar aqui têm a imensa capacidade de criar consigo novas realidades. A realidade de alguma maneira incômoda mas confortável de uma certa cultura da branquitude..."
4 - Nesta introdução, consideramos ainda importante destacar o que a autora coloca enquanto uma posição antirracista, pretensões do livro: "essa não é uma questão moral nem uma categoria de acusação. Ela implica o compartilhamento de boa informação e o incentivo a atitudes propositivas. Implica, ainda, tirar o véu e associar também a parte da sociedade criada pelos valores da branquitude nesse tema que não afeta apenas as pessoas negras; diz respeito a todas e todos nós que queremos um país mais justo, democrático e inclusivo. Implica produzir, por fim, autorreflexão, autocrítica e letramento racial para pessoas que, como eu, fazem parte de uma certa cultura social e política da branquitude, e não estão acostumadas a ser racializadas";
5 - Para então dar conta de sua proposta, Lilia Schwarcz organiza seu livro através de oito capítulos iniciando por "Eles que são brancos que se entendam" em que não só coloca em discussão o que é a branquitude, como observa as imagens e suas conexões com os provérbios, "frases de efeito, em geral curtas, que nos habituamos a usar, ouvir e repetir sem normalmente pararmos para pensar no significado profundo que contêm". Tal posição não só levada às imagens que nos cercam sem que necessariamente pararmos para pensar em suas significações, como e reforço da lógica que isto, uma interpretação profunda, estabelece-se então como uma necessidade. Neste capítulo temos ainda a preponderância do texto e do conceito, inclusive com mecanismo presente em toda a obra que é trazer a referência de muitos pensadores decoloniais e pensadores negros para o debate enquanto referências teóricas. As imagens de fato passam a dominar a partir do segundo capítulo, "alegorias do primitivo" em que a autora trará interpretações de uma série de pinturas e gravuras dos períodos coloniais da América, e também do Brasil, em que o sistema colonial vai constituindo o outro por símbolos e alegorias inserindo esse "outro" no campo do exótico, do primitivo, da preguiça entre tantos outros estereópios que pairam sobre os povos originários e os africanos trazidos à força para o Novo Mundo;
6 - Já capítulo três evoca debates extremamente contemporâneos, a cartografia e o modo que a mesma é utilizada não apenas como elemento geográfico, mas campo de símbolos e registros e formas de poder, de modo que "Mapas coloniais" percorrendo relevantes documentos cartográficos discorre desse processo tanto de preencher os "vazios", quanto de construção do ideário das nações imaginadas, especialmente no caso desses mapas, por todo o sistema de arte e desenhos envolvidos e que de grosso modo ressaltam o projeto colonizador de branquitude. Do mesmo modo, o capítulo quatro traz um debate presente, pois em "Monumentos e patrimônios públicos" a autora perpassa tanto pela presença da branquitude e dos ideias expressos, quanto ao silenciamento e apagamento pela ausência a partir dos monumentos em espaços públicos. No capítulo, a discussão sempre voltando ao debate recente dos monumentos edificantes de personalidades hoje controversas no estudo histórico, caso dos bandeirantes, por exemplo;
7 - No capítulo cinco teremos um dos momentos mais importantes, cremos, dentro da proposta da autora, inclusive aqui com certo centro já no Brasil. "Branquitude e Negritude" cujo subtítulo é "Quando luz é sombra e sombra é luz" se dedica da pintura e a fotografia e observa as primeiras inserções negras nelas e as posições e mensagens enviadas pelas respectivas produções, sendo da ausência ou da construção da nefasta ideia tão denunciatória do racismo estrutural expressa pela frase "ponha-te no teu lugar". Schwarcz, nesse sentido, mais que uma historiadora, coloca-se enquanto intérprete das imagens que traz à baila. Este capítulo é um belo preparativo para o seguinte, "Os fantasmas das amas negras", que puxa a discussão a partir do costume em determinado tempo de fotografias das amas. Considero este capítulo um dos mais relevantes no sentido que ele desnuda um tempo execrável, que a qualquer pessoa com o mínimo de valore ético é capaz de perceber a tamanha abjeção da prática. Pense quão nojenta pode ser uma sociedade que normaliza a alguém (branco) tomar propriedade do corpo do outro [nesse caso, especificamente outra] ser humano, impedindo-lhe, inclusive que alimente seus filhos, já que as amas só deveriam dispender suas atenções ao senhorizinhos ou senhorinhas. Mas enfim, o capítulo mostra o movimento de Schwarcz justamente em olhar para o outro lado que tais imagens inicialmente desejavam evocar, buscando pequenos sinais, posturas e aocntecimentos inesperados capazes de contrastar as noções de branquitude e negritude;
8 - Outro capítulo elucidativo da abjeção do capital e do mercado - e não que a autora afirme isso, mas podemos depreender por nós mesmos a partir das imagens da publicidade o quão o mercado e o sistema capitalista estão alinhados ao projeto de uma branquitude supremacista - é o sétimo: "O espetáculo dos sabonetes". Percorrendo imagens da proganda que vão dos finais do século XIX aos tempos presentes, a partir das publicidades de sabonete ou produtos de limpeza, a escritora vai alinhavando-os à ideias eugênicas, que com sua psudociência vicejaram no ocidente. De certa forma é um capítulo que esmiúça a influência do eugenismo na sociedade. Em certa medida, estes dois últimos capítulos dialogam e aproximam-se, além de, talvez, se constituirem naqueles em que mais se perceba a força da tese da autora quanto o papel das imagens na construção de poder da branquitude. No caso do capítulo oito "O nacionalismo brasileiro tem cor" um conjunto de imagens para colocar em debate e em questão termos ilusórios como a ideia de nação pacífica que tais imagens propõe transmitir, as questões da suposta democracia racial, ideias que como veremos nas análises das imagens por Schwarcz não se sustentam;
9 - Cremos que após seu longo trabalho, Lilia Schwarcz mantenha-se certeira em suas palavras finais do livro quando destaca que "esses e outros tantos exemplos, em geral apagados pela pátina do tempo mas que relembram sempre como nosso passado está vivo no presente, representam formas de difusão de valores de uma parte da sociedade que se imagina branca, que mantém seu domínio por tantos séculos e que toma a sua realidade como norma e classificação". A autora ainda lembra-nos que "a iconografia aqui apresentada sinaliza como a reiteração não pode ser entendida como mero acaso" despertando a quem precisa de que em conjunto tais imagens não carregam qualquer inocência, ao cabo, transmitem e reúnem em seus entornos símbolos e projetos. Compreendê-las, então, é um dos primeiros passos para o despertar da consciência.
10 - Enfim, Imagens da branquitude é uma produção cuja leitura mostra-se indispensável no avanço de na construção do letramento racial e em grande medidade trata-se de uma obra corajosa. Corajosa primeiramente porque Schwarcz não deixa dúvidas quanto a sua posição de fala, mulher branca, classe social privilegiada, de modo que é justamente isso que leva-a a uma perspectiva justamente de abordar o racismo estrutural a partir dessa branquitude. E no caso a palavra coragem faz juz aqui pelo fato de como a própria autora demonstra com bastante eficiência esta branquitude exerce-se por meio de um pacto silencioso, geralmente não nomeado de uma raça que ao não dizer coloca-se como norma e padrão; tal silêncio é de certa forma quebrado pela análise acurada de Schwarcz de um vasto conjunto de imagens dessa branquitude que explicitam não só a branquitude enquanto projeto, mas trazem o silenciamento, apagamento ou então enquadramento social do outro no que Lilia chama de "maiorias minorizadas", como os negros no Brasil. Trata-se de uma leitura indispensável para o nosso letramento racial e inclusive acabar com baboseiras do tipo "racismo ao contrário" ou coisas do tipo "ain, é mimimi, somos todos iguais". Leia a obra e com certeza você nunca mais olhará para as imagens que te cercam da mesma forma que antes. Tchau, ingenuidade [isso vale para alguns, tá].