Regina Madalozzo: a economia com foco nas mulheres brasileiras

Consultora de empresas e terapeuta discute sobre discriminação, inclusão e diversidade no mercado de trabalho

Jan 14, 2025 - 20:40
Regina Madalozzo: a economia com foco nas mulheres brasileiras

Regina Madalozzo, economista com uma trajetória sólida e uma dedicação inegável à economia feminista, chega com um convite urgente: repensar o conceito de economia e enxergá-la além dos números que dominam o noticiário.

Em seu livro Iguais e Diferentes: uma jornada pela economia feminista, Madalozzo propõe uma nova lente para entender a economia, centrada na realidade das mulheres brasileiras e no impacto das desigualdades de gênero. Para ela, a economia não é apenas uma questão de inflação ou crescimento, mas também de decisões cotidianas moldadas por fatores como machismo, racismo e desigualdade social.

Em uma conversa exclusiva, Regina Madalozzo explica como a economia feminista revela aspectos ocultos do mercado de trabalho, como as escolhas econômicas são moldadas por identidade de gênero e o quanto as limitações impostas pela sociedade afetam tanto o bem-estar individual quanto o progresso coletivo.

Ela destaca ainda os vieses inconscientes que permeiam a sociedade e o mercado de trabalho, discutindo o papel essencial da equidade de gênero para o crescimento econômico e o bem-estar social. Seu olhar clínico, aliando sua experiência acadêmica e sua prática como terapeuta, aprofunda o entendimento sobre como a dinâmica econômica impacta as relações pessoais, profissionais e até mesmo a saúde mental.

Prepare-se para um olhar fresco e provocativo sobre a economia que, como Regina Madalozzo nos lembra, é tudo o que fazemos — e muito mais do que imaginamos.

Quem é Regina Madalozzo?
Regina Madalozzo, autora do recém lançado Iguais e diferentes: uma jornada pela economia feminista (editora Zahar)Regina Madalozzo/Divulgação

Paola Carvalho – O que te motivou a escrever o livro?

Regina Madalozzo – A motivação veio de traduzir 20 anos de pesquisa sobre economia feminista e o mercado de trabalho feminino, com foco na vida das mulheres, especialmente no Brasil. Queria mostrar que a economia vai além de taxas de juros, inflação e crescimento, abrangendo questões de gênero, preconceitos, machismo e racismo. O livro busca ampliar a visão sobre a economia e incentivar uma reflexão mais consciente sobre como as decisões econômicas são influenciadas por esses fatores.

Continua após a publicidade

PC – Como você explica o que é economia feminista e qual papel ela tem nos dias de hoje? 

RM – A economia feminista é uma abordagem que olha a economia sob a ótica do gênero, considerando como as questões de gênero influenciam decisões econômicas. Hoje, ela é essencial para entender, por exemplo, a participação das mulheres no mercado de trabalho, onde o gênero impacta nas condições e oportunidades.

Se eu imaginar todas as pessoas que decidem participar ou não do mercado de trabalho do mesmo jeito, eu estou sendo extremamente simplista, porque depende do gênero da pessoa, pois existem situações sociais que vão além.

Quando a gente entra na questão dos jovens nem nem, que se fala muito hoje, daqueles que nem estudam e nem trabalham, ser um homem ou ser uma mulher nessa situação faz muita diferença, porque a gente está falando de um trabalho remunerado, mas grande parte dessas meninas fazem trabalho doméstico, sendo responsáveis por cuidar dos irmãos, às vezes cuidar dos próprios filhos.

Então, a economia feminista te ajuda a olhar para essas questões e pensar: calma, tem algo por trás que é tão importante ou mais importante do que a questão em si. Como lidar com essas questões na hora de pensar a economia?

PC – O que é o homem econômico e como seria essa transição para pessoa econômica? 

RM – O homem econômico é uma linguagem que a gente usa na economia para definir o indivíduo que toma uma decisão, como sobre trabalhar ou não, quantas horas trabalha, onde gasta o dinheiro, onde investe… Então o homem econômico é esse indivíduo racional.

Continua após a publicidade

Só que a economia feminista traz a grande questão: por que homem econômico? A hora que a gente fala homem econômico, eu estou pensando nesse indivíduo como se fosse um modelo que vai tomar decisão. Pode parecer que é uma bobagem, uma questão de nomenclatura, mas não é. Porque se eu pensar no ser humano que está tomando a decisão, a pessoa econômica, eu preciso pensar no que está por trás dela na hora de tomar essa decisão.

O que está fazendo essa pessoa decidir por mais ou menos horas no mercado de trabalho? Quais são as restrições que eu não estou colocando? E a diferença é importante porque muitas vezes a gente escuta, por exemplo, que as mulheres desistiram de trabalhar e preferiram ficar em casa. Que tipo de desistência eu estou falando?

Eu estou falando de alguém que trabalhou, participou do mercado de trabalho, mas que, ao mesmo tempo, tinha uma carga de trabalho de cuidado enorme quando voltava para casa, que era responsabilizada caso acontecesse uma doença na família, uma criança que não ia bem na escola. E que, além de tudo, no mercado de trabalho, era discriminada. Então ela desistiu do mercado de trabalho ou foi expulsa do mercado de trabalho?

Isso é pensar a “pessoa econômica” e, é claro, torna tudo muito mais complexo. Mas o mundo é complexo, né? E algumas simplificações têm efeitos muito perigosos na tomada de decisão. Por isso a economia feminista é tão importante nos dias atuais.

PC – Qual a relação de equidade de gênero com desenvolvimento econômico de um país? 

RM – Então, a relação é muito, muito próxima porque quando você discrimina uma pessoa seja pela raça, seja pelo gênero, você faz com que a participação dela no mercado de trabalho seja menor, e aqui eu estou falando só de mercado de trabalho mesmo, colocar no mercado o que é, onde ela seria mais eficiente de trabalhar e a economia perde com baixa de crescimento mesmo, você deixa de crescer o que você poderia crescer.

Continua após a publicidade

Tenho um estudo com um aluno meu do mestrado, Rafael Ribeiro, que a gente mostrava que municípios que discriminam mais as mulheres com relação aos homens são municípios que crescem menos. Então você tem uma correlação entre discriminação e crescimento. Se você discrimina mais, você cresce menos, então a relação é muito estreita.

E quando você fala da questão racial, você perde, por exemplo, pessoas que teriam capacidade de ocupar certos cargos, mas que às vezes nem se candidatam porque o racismo faz com que os indivíduos não consigam se enxergar. E as que discriminam, as pessoas que são racistas, não conseguem ver que essa pessoa tem capacidade de ocupar esse lugar, esse espaço.

E a economia como um todo perde. A gente perde não só nas questões de crescimento, de renda, ligadas a dinheiro, mas a gente perde como sociedade, pois deixamos de ser uma civilização que permite que as pessoas desenvolvam o melhor delas. Nós seríamos um país muito mais feliz se conseguíssemos desenvolver as pessoas do jeito que elas podem ser desenvolvidas.

PC – Qual é sua trajetória na economia? 

RM – Eu escolhi economia como minha graduação e depois fui trabalhar no mercado, mas optei por voltar para a academia. Fiz graduação na PUC do Rio, depois mestrado na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e PhD na Universidade de Illinois (EUA). Voltei para o Brasil e fui professora e pesquisadora no Insper, entre 2002 e 2021. Então fiquei praticamente 20 anos fazendo pesquisa sobre o mercado de trabalho e sobre economia. Atualmente, sou pesquisadora associada ao GeFam, consultora de empresas e terapeuta em clínica particular. 

PC – Como surgiu a psicologia nesse caminho?

RM – Bom, a psicologia sempre esteve em minha vida. Eu lia sobre psicologia desde pequena, desde criança mesmo. Minha mãe falava, minha mãe lia bastante sobre isso. E quando eu fui fazer vestibular, cogitei psicologia, mas acabei optando por economia.

Continua após a publicidade

No meu trabalho como economista, dando aula, atendendo alunos, eu percebia que essa era uma parte que eu gostava talvez até mais do que fazer pesquisa, era falar com as pessoas. Então, depois de muito tempo fazendo pesquisa, eu comecei a estudar psicologia.

Fiz uma pós-graduação em psicologia junguiana, depois fiz uma formação em psicologia sistêmica para atendimento de casais e famílias. Eu achei que essa poderia ser uma segunda parte da minha vida profissional. A gente vive tanto hoje em dia, né? Acho difícil ficar numa só profissão a vida inteira, pelo menos para mim.

E essa foi a carreira que escolhi nessa segunda parte da minha vida. Tem muito a ver com a questão de economia que eu estudava no fundo. Eu sempre estudei microeconomia, que era a escolha das pessoas, e agora, olhando a escolha das pessoas ou o que as pessoas fazem da vida delas, sobre o prisma da psicologia. Este ano estou terminando a faculdade de psicologia, mas já atuo como terapeuta. 

PC – Como que a sua experiência na clínica se encontra com a formação econômica? 

RM – Pode até parecer estranho, mas encontra muito. Dentro da economia, eu atuava numa área muito ligada a escolhas individuais, escolhas das pessoas, escolhas sobre horas de trabalho, carreira, conflitos entre trabalho e vida pessoal.

Eu trabalhei muito nas empresas como consultora, tratando de vieses inconscientes pelo lado econômico, mas que possuem uma ligação muito forte com a psicologia. Então, a psicologia foi quase um caminho natural para mim. Os conflitos de trabalho de cuidado, de discriminação… São temas que aparecem dentro da clínica do mesmo jeito que eu via eles no campo acadêmico.

Continua após a publicidade

PC – Quais os vieses inconscientes mais presentes na sociedade hoje quando o assunto é economia?

RM – Na área que eu pesquisava e na área que eu atuo hoje em dia, o que eu vejo muito forte é o viés de afinidade e o viés de identificação. O que significa isso? Quando nos identificamos com alguém, tendemos a ser mais favoráveis a essa pessoa, o que reforça a homogeneidade nos grupos.

Isso é prejudicial, pois pode gerar discriminação implícita, especialmente no mercado de trabalho, onde, por exemplo, as pessoas com mais educação ou pertencentes a certos grupos sociais acabam sendo mais favorecidas, enquanto aquelas que não se encaixam nos padrões enfrentam barreiras. Isso reflete a dificuldade de inclusão e diversidade nos ambientes econômicos.

Regina Madalozzo discute sobre trabalho e inclusão
A falta de inclusão prejudica o mercado de trabalhoRegina Madalozzo/Divulgação

PC – Como a economia penaliza as mulheres e como ela alimenta a violência contra a mulher? 

RM – Não é exatamente a economia que penaliza as mulheres, é a sociedade que atua nessa economia que acaba penalizando as mulheres e favorecendo que a violência contra a mulher aconteça. Voltando para a questão de mercado de trabalho, que eu acho que é bem claro, quando você imagina uma mulher indo se colocar para uma vaga de trabalho, tem um estereótipo lá, tem aquele viés inconsciente de que as mulheres são as cuidadoras, que elas vão faltar muito no trabalho para cuidar dos filhos, que elas vão ficar grávidas.

Mas dentro do livro eu mostro uma pesquisa que fiz junto à Adriana Carvalho, mostrando que o afastamento em número de dias médios por ano é muito próximo de homens e mulheres.

É aí que está o problema: a gente penaliza as mulheres pela impressão e não pela realidade. É a mesma coisa quando falamos da questão da violência. Não é a economia que faz com que as mulheres sofram a violência, mas é por aspectos culturais dentro da economia que essa violência acaba sendo perpetuada. 

PC – Quais os três principais dilemas que as mulheres estão levando para análise e como tem sido essa escuta na clínica? 

RM – Bom, os dilemas são muito diferentes para todas as pessoas, classifico que não sejam apenas uma questão de gênero, a amplitude da escuta na clínica é muito grande, mas se eu quiser manter na mesma linha do que eu estou falando nas outras perguntas, a questão do cuidado é um tema importante tanto quando falamos de mulheres, quanto quando a gente fala dos homens, no sentido de qual é o meu lugar dentro dessa sociedade, qual é o meu lugar dentro dessa família, o que eu faço, o que eu não posso fazer.

O que me traz nessa escuta clínica é como essas relações econômicas acabam permeando de uma forma tão profunda a vida das pessoas e as pessoas nem sempre se dão conta do ambiente social, do ambiente econômico que a gente vive. Vive essa busca por sempre entregar mais, por ser mais produtivo, por ter que atender a demandas externas e internas o tempo inteiro, o quanto isso faz a gente ficar doente. 

PC – Por que essas questões se tornaram dilemas na sociedade hoje?

RM – Vem na minha cabeça o livro do A Sociedade do Cansaço. A pressão por produtividade e sucesso profissional tem levado ao esgotamento mental e físico, um fenômeno exacerbado pela cobrança social para sempre entregar mais, o que resulta no burnout. A sociedade naturaliza essa exaustão como normal, sem reconhecer seus efeitos.

As pessoas se sentem obrigadas a ser produtivas o tempo todo, sem considerar a necessidade de equilíbrio entre vida pessoal e profissional. Essa falta de reconhecimento dos limites humanos gera um ciclo de sofrimento, que afeta tanto homens quanto mulheres, embora com impactos diferentes.

Assine a newsletter de CLAUDIA

Receba seleções especiais de receitas, além das melhores dicas de amor & sexo. E o melhor: sem pagar nada. Inscreva-se abaixo para receber as nossas newsletters:

Acompanhe o nosso Whatsapp

Quer receber as últimas notícias, receitas e matérias incríveis de CLAUDIA direto no seu celular? É só se inscrever aqui, no nosso canal no WhatsApp

Acesse as notícias através de nosso app 

Com o aplicativo de CLAUDIA, disponível para iOS e Android, você confere as edições impressas na íntegra, e ainda ganha acesso ilimitado ao conteúdo dos apps de todos os títulos Abril, como Veja e Superinteressante.

Publicidade