Por que a enxaqueca atinge mais as mulheres? Entenda as possíveis causas

Saiba quais são os sintomas, os tratamentos e as abordagens atuais que buscam mitigar esse sofrimento sem cura

Jan 18, 2025 - 10:52
Por que a enxaqueca atinge mais as mulheres? Entenda as possíveis causas

“Tenho sofrido de crises de enxaqueca terríveis há dias, anos. É como se minha cabeça fosse um cristal prestes a implodir ao mais simples toque. Sinto que meu cérebro boia dentro da calota craniana, preso a nada ou a lugar algum, mas submetido a uma pressão intensa e descomunal, capaz de expulsá-lo pelo nariz. Põe gelo, tira gelo, combina três composições químicas diferentes, se fecha no escuro, reza, qualquer coisa em busca de sentir a sensação da dor se esvaindo, saindo pelo ouvido.” 

Comecei assim a crônica Enxaqueca, que publiquei em uma coletânea. Ao longo do texto, disserto sobre sintomas nada literários e que são comuns a aproximadamente 40% da população global, segundo a Organização Mundial da Saúde.

São mais de 3 bilhões de pessoas afetadas por distúrbios de dor de cabeça, sendo a enxaqueca o mais comum. Isso representa um aumento considerável dos dados oficiais que se tinha até 2016, quando um estudo publicado na revista científica britânica The Lancet trouxe o número mais oficial até então: estimava-se que 1 bilhão de pessoas sofriam desse mal ainda bastante incompreendido pela neurologia moderna. 

Na verdade, há muito tempo se estuda a migrânea, termo médico para a enxaqueca, derivado do inglês migraine. Esse recurso linguístico tem o seu seu valor: é importante reforçar que a enxaqueca não é uma simples “dor de cabeça”.

Essa diferenciação não só vai auxiliar na hora do diagnóstico e do tratamento, mas também ajuda a combater o estigma de que a condição não passa de uma “frescura”.

Só no Brasil, estima-se que, a cada ano, cerca de R$ 67 bilhões em gastos são perdidos devido à queda de produtividade daqueles que convivem com o transtorno, segundo um estudo brasileiro publicado na International Headache Society. É muito, muito mais do que “só uma dor de cabeça”.

“A doença afeta o psicológico de quem a sente de forma intensa. Essa pessoa que possui enxaqueca crônica, ou seja, pelo menos 15 dias de dor por mês, sente medo do próximo episódio e isso gera ansiedade, fobia e outros tantos sentimentos negativos”, explica Juliane Prieto, psicóloga e membro do Comitê de Psicologia da Sociedade Brasileira de Cefaleia, da International Headache Society e da diretoria da ABRACES — Associação Brasileira de Cefaleia em Salvas e Enxaqueca. 

Continua após a publicidade

Como é a dor da enxaqueca?

“Não posso com cheiro, não posso com sons, não posso com a claridade, com a desidratação, com o álcool, com o jejum. Não posso, de forma alguma, ignorar e achar que se eu dormir vai passar. Ouço barulhos distantes, sinto tontura, enjoo e tenho a visão turva.”

Essas sensações não são mera impressão pessoal — são validadas pela ciência. A enxaqueca é um distúrbio de cefaleia primário, ou seja, que não tem uma causa secundária, como sinusite ou abuso de medicamentos.

Além disso, seus episódios podem durar de 4 a 72 horas. “Ela se caracteriza por ser uma dor pulsante que pode ainda vir acompanhada de náusea, vômito e/ou fotofobia (sensibilidade à luz) e fonofobia (sensibilidade à som). Podem ocorrer até mesmo formigamentos”, explica a neurocirurgiã do Hospital Beneficência Portuguesa, Natally Santiago

A enxaqueca com aura é ainda mais específica. A aura aparece antes da dor e possui uma curta duração de sintomas visuais ou sensoriais. Pode ser uma dificuldade na fala, pontos pretos espalhados na visão e, no meu caso, um cheiro inexplicável de borracha queimada no ar. Acredite: as possibilidades são muitas e todas bastante incômodas. 

Enxaquecas afetam especialmente as mulheres

Não há um consenso a respeito da idade que ele se inicia. Há literaturas que mencionam um início provável na puberdade, e outras apontando início só depois dos 25 anos. Mas é fato que ela afeta majoritariamente as mulheres: elas têm até três vezes mais chances de sofrer um episódio enxaquecoso, sobretudo na faixa dos 30 anos — que é exatamente a minha.

Continua após a publicidade

Porque isso acontece, não se sabe ao certo, mas a hipótese mais popular é devido às variações hormonais

A causa exata da enxaqueca em geral também é desconhecida, mas acredita-se que ela seja resultado da liberação de substâncias inflamatórias produtoras de dor que geram uma dilatação dos vasos sanguíneos da cabeça ao redor dos nervos.

Outra hipótese no âmbito das causas são os fatores emocionais relacionados. “O que mais se estuda junto com enxaqueca são as comorbidades psiquiátricas como a ansiedade e a depressão, muito frequentes em pessoas com enxaqueca. Mas é quase impossível cravar quem vem antes, a dor ou as emoções. São muito interligadas”, explica Juliane.

Os episódios de enxaqueca podem durar de 4 a 72 horas
Os episódios de enxaqueca podem durar de 4 a 72 horasReprodução/Reprodução

Enxaqueca tem cura?

Não há cura para a enxaqueca, mas existem opções diferentes de tratamento atualmente. Apesar de ter sido documentada pela primeira vez ainda em 1550 a.C, a primeira medicação para a migrânea só foi surgir muito tempo depois, em 1920. Era a ergotamina, que já não é mais comercializada no Brasil por estar ultrapassada, mas que por décadas se mostrou como a única saída para quem sofria com as dores pulsantes, explica Gabriel Kubota, neurologista coordenador do Centro de Dor do Hospital das Clínicas e membro do grupo de cefaleias da Faculdade de Medicina da USP.

Continua após a publicidade

“O tratamento profilático, que vai reduzir a frequência, duração e intensidade das crises, vai incluir opções como antidepressivos, toxina botulínica (o bom e velho botox), anticonvulsivantes, alguns anti-hipertensivos e anticorpos monoclonais anti-CGRP”, diz ele.

O CGRP é um tipo de proteína presente no sistema nervoso que ajuda a transmitir a dor no corpo. Sua liberação pode inflamar a meninge, camada protetora que envolve o cérebro e, desde os anos 80, os médicos têm olhado com mais atenção para isso. 

 Os betabloqueadores e triptanos também são opções mais antigas, descobertos ainda nas décadas de 1950 e 1990, respectivamente, mas que são usados até hoje. O primeiro ajuda a diminuir a frequência cardíaca, relaxar os vasos sanguíneos e melhorar o fluxo sanguíneo por todo o corpo e, apesar de ser cardíaco, ajuda indiretamente a evitar novas dores.

No entanto, ele não é usado para cessar um episódio de dor.

Esse é o papel do triptano, cujo objetivo é operar como um vasoconstritor. Considerado um dos remédios mais importantes do segmento, ele inibe a liberação de mediadores inflamatórios e evita que os sinais de dor cheguem ao cérebro, trazendo alívio para quem toma. 

Continua após a publicidade

“O cérebro não dói, é a meninge, esse envoltório extremamente vascularizado que, quando dilatado, dói. É importante saber disso porque os tratamentos tentam focar em evitar esses fatores que dilatam”, pontua a neurologista Nataly.

Mas atenção: o triptano não deve ser tomado mais de duas vezes em menos de 24h, e já existem pesquisas indicando que o seu uso indiscriminado — e de outros analgésicos — pode cronificar ainda mais a enxaqueca.

Existem pontos específicos em nosso corpo que reduzem a dor da enxaqueca.
Existem pontos específicos em nosso corpo que reduzem a dor da enxaqueca.Ponomariova_Maria (Getty)/Reprodução

Há soluções?

Mas há alternativas mais recentes também, que vêm trazendo esperança para quem, como eu, já tentou de tudo um pouco. Desde 2010, a toxina botulínica, conhecida pela aplicação do botox, passou a ser usada no tratamento da enxaqueca.

Isso porque descobriu-se que ela reduz e neutraliza a atividade de certos neurotransmissores no cérebro quando introduzida em pontos estratégicos. Mas, assim como na estética, é preciso a reaplicação eventual, já que o nosso corpo absorve a substância depois de um certo período.

Continua após a publicidade

O uso da suplementação de magnésio e coenzima aliados eventualmente à riboflavina (também conhecida como vitamina B2) tem sido uma aposta dos especialistas como uma saída natural e que pode trazer qualidade de vida para seus pacientes.

Ele é feito para ser tomado diariamente e é utilizado também de forma profilática e não como abortivo de dor. Por ser um uso relativamente novo, a opção ainda carece de mais pesquisas.

O mesmo vale para o canabidiol, que vem sendo outra grande aposta desse segmento graças a recentes pesquisas. “Ele atua como importante regulador em processos fisiológicos como função imune, regulação das emoções, do estresse, da dor e do apetite, além do ciclo do sono, entre outros. E, ao usarmos compostos medicinais de cannabis, haveria a ligação entre a substância e o seu receptor, capaz de modular os gatilhos da dor, reeducando-os. Mas em casos agudos, sua ação pode ser muito leve”, diz Natally.

Na verdade, a mudança de alguns hábitos potencialmente nocivos é uma peça-chave nessa jornada. É fundamental para quem sofre com enxaqueca ter um sono regulado e com qualidade, respeitando os ciclos e em ambientes devidamente escuros, e evitar ao máximo situações estressantes, dois gatilhos importantes e reconhecidos pela ciência. Aqui, o CBD também poderia fornecer benefícios.

“A pessoa que tem uma enxaqueca episódica pode ainda cronificar se não manter um estilo de vida saudável, se for tabagista e sedentária. Até mesmo a poluição tem impacto nisso”, comenta a psicóloga Juliane, que indica a terapia cognitiva comportamental, abordagem que ela aplica em seus pacientes, e que acredita ajudar a entender a maneira como o pensamento influencia a emoção e como usar isso ao seu favor. 

Há uma infinidade de dietas sugeridas para a profilaxia, seja excluindo certos alimentos ou adicionando-os. Consulte o seu médico para entender qual caminho seria o mais adequado no seu caso.

O álcool é um velho vilão nessa história, sobretudo o vinho tinto. As causas são muitas: a desidratação causada pela bebedeira, as substâncias presentes nos drinques que podem piorar o processo inflamatório, entre outras. Para te ajudar a entender se esse é o seu caso, procure fazer um “diário da dor”. Anote os dias de crise e investigue o que foi feito de diferente dos outros: a resposta para entender os seus gatilhos pode estar bem aí!

“E então, quando ela finalmente se esvai, resta o vazio. Sinto uma vontade imensa de chorar, em partes por ter combatido uma guerra e sobrevivido, em partes porque sinto minha cabeça tão leve que é como se os fluídos invariavelmente tivessem que se esvair por algum lugar. Mas a minha vontade maior é de ficar deitada em posição fetal, recobrando meus sentidos, uma combatente que repassa o trauma em sua mente como se fosse um filme.”

Hoje, reconheço grande parte dos meus gatilhos para a enxaqueca e busco, a todo custo, evitá-los. Testei diferentes tratamentos e já obtive bons resultados, mas nada que de fato melhorasse a minha vida. Porém, nem todos esses anos de dor foram capazes de fazer com que eu desista de me curar. Enquanto não encontro uma saída derradeiramente eficaz, trabalho como posso: espalhando informação e ajudando o máximo de pessoas que eu puder, como tentei fazer por aqui. 

Assine a newsletter de CLAUDIA

Receba seleções especiais de receitas, além das melhores dicas de amor & sexo. E o melhor: sem pagar nada. Inscreva-se abaixo para receber as nossas newsletters:

Acompanhe o nosso Whatsapp

Quer receber as últimas notícias, receitas e matérias incríveis de CLAUDIA direto no seu celular? É só se inscrever aqui, no nosso canal no WhatsApp

Acesse as notícias através de nosso app 

Com o aplicativo de CLAUDIA, disponível para iOS e Android, você confere as edições impressas na íntegra, e ainda ganha acesso ilimitado ao conteúdo dos apps de todos os títulos Abril, como Veja e Superinteressante.

Publicidade