Fim dos celulares nas escolas: medida, desafios e casos internacionais

A Comissão de Educação da Câmara aprovou o banimento de aparelhos celulares nos ambientes escolares. Por isso, a partir do ano letivo de 2025, o fim do uso de celulares nas escolas já passa a ser uma realidade em todo o Brasil, portanto, as redes escolares são obrigadas a cumprir a legislação federal. Nesse texto, […]

Fev 6, 2025 - 11:11
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Fim dos celulares nas escolas: medida, desafios e casos internacionais

A Comissão de Educação da Câmara aprovou o banimento de aparelhos celulares nos ambientes escolares. Por isso, a partir do ano letivo de 2025, o fim do uso de celulares nas escolas já passa a ser uma realidade em todo o Brasil, portanto, as redes escolares são obrigadas a cumprir a legislação federal.

Nesse texto, você vai saber o que muda com a proibição do uso de celulares nas escolas, como a medida será implementada, o que dizem especialistas e como outros países adotaram essa medida.

Imagem de uma menina segurando celular em sala de aula. Texto: fim dos celulares nas escolas.
Imagem: Freepik.

O que muda com o fim dos celulares nas escolas?

A Lei 15100/2025 determina que, a partir do ano letivo de 2025, fica proibido o uso de aparelhos eletrônicos portáteis durante a aula, durante o recreio ou intervalos entre as aulas para “todas as etapas da educação básica”.

A lei vale para todas as escolas, públicas e privadas, e também para todas as idades. Isso significa que estudantes da educação infantil, do ensino fundamental e do ensino médio não poderão utilizar celulares no espaço escolar.

Além disso, crianças da educação infantil e dos anos iniciais do ensino fundamental (do 1º ao 5º ano) estão proibidos de levar o aparelho para a escola. Os alunos dos anos finais do ensino fundamental (do 6º ao 9º ano) e do ensino médio podem levar, mas os celulares terão de ficar guardados.

A lei garante algumas exceções, como o uso de aparelhos eletrônicos para fins pedagógicos ou didáticos, desde que estejam sob orientação dos profissionais de educação, ou a utilização de celulares em casos de acessibilidade, inclusão ou condições de saúde, tanto dentro quanto fora de sala de aula.

Saiba mais: Acessibilidade e o direito das pessoas com deficiência

A lei não especifica punições para estudantes que desrespeitarem a regra, portanto, caberá às escolas decidir como mediar a proibição e implementar as melhores práticas para garantir o cumprimento das regras.

Por que a medida foi criada?

A proibição do uso de celulares nas escolas ganhou destaque com o apoio do Ministério da Educação. A proposta foi criada como resposta a preocupações crescentes sobre os impactos do uso excessivo de telas na aprendizagem e na concentração dos estudantes

Diversas pesquisas científicas embasaram a medida, como relatórios da Unesco, estudos da Universidade de Stavanger e pesquisas da Harvard. Essas instituições comprovaram que o uso descontrolado de celulares compromete a comunicação, o sono, a concentração e o desenvolvimento cognitivo

A Unesco orientou pelo banimento global de celulares nas escolas. A entidade destacou que esses dispositivos podem prejudicar a memória, a compreensão e a interação social dos alunos, e defende que a tecnologia nas salas de aula deve ser usada com cautela e com uma abordagem centrada no ser humano.

Segundo as pesquisas, estudantes que utilizam os aparelhos para atividades não acadêmicas, por exemplo, podem levar até 20 minutos para se reconcentrar nas tarefas escolares

Veja o que a presidente-executiva do Todos pela Educação, Priscila Cruz, disse ao G1:

É preciso colocar um limite firme e rigoroso, para que o aluno possa ter seu desenvolvimento cognitivo e seu aprendizado garantidos, além de preservar a convivência social e desenvolvimento emocional. E é importante que esses protocolos sejam determinados pelos estados e municípios, inclusive, para dar suporte aos gestores escolares.

Além disso, a pesquisa do Datafolha revelou que 62% da população brasileira apoia o banimento de celulares nas escolas. Movimentos da sociedade civil, como o Desconecta, também têm impulsionado a discussão, promovendo ações de conscientização em diversas escolas do país e pedindo pela proibição.

Embora o tema tenha ganhado destaque recentemente, o debate não é novo. Desde 2015, tramita no Congresso um projeto de autoria do deputado Alceu Moreira (MDB-RS) com objetivos semelhantes, ao qual foram apensados outros 12 textos. 

O relatório mais recente, apresentado por Diego Garcia (Republicanos-PR), reforça regras rígidas sobre o porte e o uso de celulares, com exceções para finalidades pedagógicas e de acessibilidade, buscando equilibrar a aplicação prática da proibição com as necessidades específicas de alguns estudantes.

O MEC buscou diálogo com parlamentares e busca contribuir com o debate, propondo que políticas de educação midiática e uso consciente de celulares sejam integradas ao projeto. A pasta também manifestou preocupação em evitar a “demonização da tecnologia”, reconhecendo que, quando bem utilizada, pode ser uma aliada no processo educacional. 

Especialistas, no entanto, alertam que só a proibição não será suficiente e defendem ações que estimulem uma cultura de uso responsável da tecnologia entre alunos e professores.

Esse cenário reflete um amplo consenso político e social sobre a necessidade de limitar o uso de celulares no ambiente escolar para garantir uma educação mais efetiva e centrada no desenvolvimento cognitivo e emocional dos estudantes.

Como as escolas devem implementar a medida?

Desde março de 2024, um grupo de trabalho do governo composto por representantes de ministérios, academia e sociedade civil, trabalhou na elaboração de um guia para o uso de telas e dispositivos digitais por crianças e adolescentes

As escolas terão autonomia para decidir como implementar as regras e estabelecer se haverá locais específicos para guardar os celulares ou se os aparelhos serão completamente proibidos, exigindo articulação local para garantir a efetividade da medida.

Quais são os desafios para implementação da medida?

A implementação da proibição do uso de celulares nas escolas enfrenta desafios estruturais, jurídicos e pedagógicos que precisam ser considerados. Em 2023, apesar de 20 estados brasileiros já possuírem legislações similares, apenas 12% das escolas afirmaram adotar de fato essas regras, segundo a pesquisa TIC Educação 2023.

Isso levantou preocupações sobre a adesão e a fiscalização, que depende não só das redes estaduais e municipais, mas também das próprias escolas. Além disso, questões de segurança patrimonial foram apontadas por especialistas que consideram o risco de armazenar aparelhos no ambiente escolar, destacando que a simples presença de celulares pode atrair assaltos.

Outro ponto sensível é a aplicação prática da norma. O controle para garantir que os alunos não entrem com celulares na escola, especialmente no ensino fundamental e médio, poderia gerar situações de conflito ou constrangimento, exigindo um equilíbrio entre conscientização e aplicação rigorosa. 

Casos específicos, como o uso por estudantes com deficiência ou o desejo de famílias de manter contato com os filhos durante o período escolar, também precisam ser contemplados. 

Há ainda a possibilidade de questionamentos judiciais, uma vez que a medida pode ser vista como uma interferência indevida nas decisões familiares.

Especialistas sugerem que, em vez de uma proibição rígida, o Ministério da Educação poderia investir em uma política de longo prazo que integre a educação digital ao currículo escolar, como prevê a Política Nacional de Educação Digital

Essa abordagem promoveria o uso consciente de celulares e outras tecnologias nas escolas, com foco em competências como programação, robótica e letramento digital. Débora Garofalo, especialista em tecnologia e inovação, reforça que o uso mediado de dispositivos pode ser especialmente relevante em um cenário de escassez de recursos nas escolas públicas do país.Para a diretora-executiva do Centro de Inovação para a Educação Brasileira (CIEB), Julia Sant’Anna, a proibição do uso pessoal de celulares não é incompatível com as políticas de conexão escolar, que incluem dispositivos como tablets e computadores cedidos pelo Estado. Ela defende uma regulamentação nacional que permita flexibilidade, mas que também ofereça diretrizes claras para orientar as escolas.

Casos internacionais

A aplicação da política de restrição ou proibição executada em países como Finlândia, Holanda e Portugal, serviram como referência para a implementação da medida no Brasil. Segundo o relatório global da Unesco, um em cada quatro países adota alguma forma de proibição, com variações nas regras e exceções. 

A França é pioneira na iniciativa, pois proíbe o uso de celulares por estudantes de até 15 anos desde 2018, inclusive durante os intervalos, com exceções para alunos com deficiência que necessitam de suporte tecnológico. Apesar dos desafios, como a resistência de alguns estudantes, a política permanece como referência.

Na Holanda, por exemplo, celulares, tablets e relógios inteligentes estão proibidos desde o início de 2024, exceto para uso pedagógico, com a regra resultado de um acordo entre governo, escolas e entidades educacionais. 

Já na Finlândia, considerada modelo de excelência em educação, grandes cidades adotaram restrições recentemente, enquanto o governo nacional trabalha em uma legislação para regulamentar o uso de dispositivos eletrônicos durante o período escolar.

Na China, desde 2021, os estudantes precisam entregar os aparelhos aos professores durante o horário de aula, a menos que os pais solicitem autorização especial. 

No Canadá, algumas províncias implementaram proibições totais ou parciais, e, nos Estados Unidos, estados como a Flórida aprovaram leis que exigem que escolas criem regras claras para limitar o uso de celulares nas salas de aula.

Países como Espanha, Finlândia, Holanda, Suíça, México e Grécia, também adotaram a medida no início do semestre letivo de 2024. Por lá, os alunos estão autorizados a levar os celulares para as escolas, mas devem mantê-los guardados nas mochilas ao longo de todo o período escolar.

Essas iniciativas mostram a diversidade de abordagens e o crescente consenso internacional sobre os prejuízos que o uso indiscriminado de celulares pode trazer para a concentração, a aprendizagem e a convivência social no ambiente escolar. 

Apesar de diferenças nos contextos culturais e estruturais, as experiências de outros países reforçam a importância de combinar a proibição com educação digital e mediação pedagógica para que as políticas sejam efetivas.

Argumentos favoráveis e contrários

Os argumentos favoráveis à proibição de celulares nas escolas destacam, em primeiro lugar, o apoio popular. Segundo pesquisa do Instituto Locomotiva e QuestionPro, oito em cada dez brasileiros acreditam que menores de idade só deveriam ter celulares a partir dos 13 anos. 

Além disso, estudos como o Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa) de 2022 apontam que 45% dos estudantes brasileiros se distraem frequentemente com aparelhos eletrônicos em sala de aula, um índice 15 pontos acima da média da OCDE

Por outro lado, há argumentos contrários que levantam preocupações sobre a implementação prática e possíveis efeitos colaterais. 

Críticos apontam que a medida pode ser vista como uma interferência estatal na autonomia das famílias, especialmente em um contexto de insegurança, onde muitos pais preferem manter contato direto com os filhos durante o período escolar. 

Especialistas também argumentam que proibir os celulares sem estratégias pedagógicas complementares pode ser insuficiente para mitigar os problemas relacionados ao uso de tecnologia. Outro ponto controverso é o impacto da medida na identidade dos jovens, para quem os dispositivos são uma parte central da vida social e acadêmica. Por fim, há o risco de a proibição aumentar a desigualdade educacional, considerando que muitas escolas públicas enfrentam dificuldades estruturais para oferecer alternativas tecnológicas adequadas.

E aí, entendeu o que muda com o fim do uso de celulares nas escolas? Deixe sua opinião e dúvidas nos comentários!

Publicado oficialmente em 21/11/2024, atualizado em 05/02/2025.

Referências: