Design para neurodiversidade: criando interfaces verdadeiramente inclusivas

Chegou a era de pensar no design como batata frita — feita para todo mundo.Essa imagem daria uma baita capa de disco do Jota Quest em 2003Havemos de concordar: se tem algo que une todas as tribos (lembra disso?), é a batata frita. Um alimento democrático, versátil e acessível. Une pessoas carnívoras, veganas ou sua tia que bebe chá de hibisco mas maceta um torresminho sempre que possível. E em 2025, chegou a hora do design ser como a batata frita (e os carros como as lanchas, etc).O design de interfaces digitais tem o poder de facilitar a vida das pessoas (igual à batata frita), mas também pode criar barreiras invisíveis para aqueles que processam informações de maneira diferente. A neurodiversidade abrange condições como Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), Transtorno do Espectro Autista (TEA), dislexia, dispraxia e outras variações cognitivas que afetam a maneira como as pessoas percebem e interagem com o mundo digital.Projetar para a neurodiversidade não é só questão de acessibilidade, mas de inclusão real e respeito à diversidade humana.Gustavo, da maior banda de rock da história do Brasil (Vagabanda) e William, que possuía dislexia.­Por que projetar para a neurodiversidade?Dados recentes mostram que aproximadamente 15–20% da população mundial é neurodivergente. Isso significa que milhões de pessoas enfrentam desafios diários ao interagir com interfaces mal projetadas.E isso não é apenas uma questão de inclusão social, mas também uma estratégia inteligente para negócios. Interfaces mais acessíveis e intuitivas beneficiam não apenas pessoas neurodivergentes, mas toda a base de pessoas usuárias, melhorando a experiência geral e reduzindo frustrações. Empresas que priorizam um design mais inclusivo frequentemente observam um aumento na retenção de usuários, maior engajamento e uma percepção de marca mais positiva.Além disso, a conformidade com diretrizes de acessibilidade, como WCAG (do inglês Web Content Accessibility Guidelines, que basicamente é a sua mãe te autorizando ou não a ir à escola de bermuda, versão boas práticas de design), reduz riscos legais e amplia o alcance global dos produtos digitais, tornando-os mais competitivos no mercado.­Os desafios enfrentados por pessoas neurodivergentesMuitos designs tradicionais ignoram as necessidades de usuários neurodivergentes, tornando a navegação em aplicativos e sites frustrante e até excludente. Alguns dos desafios mais comuns incluem:Sobrecarga sensorial: interfaces com muitas cores vibrantes, animações excessivas ou elementos piscantes podem dificultar a concentração e causar desconforto;Dificuldade com organização e hierarquia da informação: muitas pessoas dependem de padrões consistentes e estrutura clara para compreender e lembrar informações;Excesso de distrações: notificações, pop-ups e elementos interativos mal planejados podem ser obstáculos para quem tem dificuldades em manter o foco (lembra o inferno que era ter 16 abas e não saber de onde vinha a música?)Interfaces pouco intuitivas: a falta de feedback claro e previsibilidade nas interações pode gerar ansiedade e confusão;Problemas com leitura e compreensão: fontes inadequadas, espaçamentos ruins e parágrafos densos podem tornar o conteúdo inacessível para pessoas com dislexia ou dificuldades de processamento de leitura;Navegação complexa: sites e aplicativos com menus labirínticos ou estrutura confusa tornam difícil para pessoas neurodivergentes encontrarem o que precisam rapidamente.Isso sim era UI, meus amigos­Princípios de design inclusivo para neurodiversidadeCriar experiências digitais mais acessíveis para pessoas neurodivergentes exige a aplicação de princípios de design inclusivo. Algumas práticas recomendadas incluem:Simplicidade e clareza: Evite sobrecarregar a interface com elementos desnecessários. Um design limpo, com espaços bem definidos e uma hierarquia clara de informações facilita a navegação. Exemplo: O Google Keep é um excelente exemplo de simplicidade no design. Ele permite que usuários neurodivergentes organizem suas anotações sem distrações visuais excessivas.Simplicidade da interface do Google KeepPersonalização da Experiência: Permitir ajustes como o tamanho da fonte, contraste de cores, velocidade de animações e opções para reduzir estímulos visuais ajuda a adaptar a interface às necessidades da pessoa usuária. Exemplo: O Microsoft Edge inclui uma ferramenta de leitura imersiva que permite personalizar a exibição do texto, facilitando a leitura para pessoas com dislexia.Immersive Reader no Microsoft Edge tem opções: Ler em voz alta, preferências de texto, ferramentas gramaticais e de leitura.Consistência e Previsibilidade: Manter um padrão visual e estrutural nos elementos da interface reduz a necessidade de reaprendizado e torna a experiência mais fluida.Exemplo: O Trello utiliza um layout de quadros fixos e organização intuitiva, facilitando a vida de pessoas com TDAH que precisam de um fluxo de trabalho estruturado.Separação de quadros pelo 

Fev 6, 2025 - 11:20
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Design para neurodiversidade: criando interfaces verdadeiramente inclusivas

Chegou a era de pensar no design como batata frita — feita para todo mundo.

Imagem de várias silhuetas, cada uma com uma ação dentro do espaço que seria o cérebro, ilustrando que um é bom com números, outro com lógica, outro com arte etc.
Essa imagem daria uma baita capa de disco do Jota Quest em 2003

Havemos de concordar: se tem algo que une todas as tribos (lembra disso?), é a batata frita. Um alimento democrático, versátil e acessível. Une pessoas carnívoras, veganas ou sua tia que bebe chá de hibisco mas maceta um torresminho sempre que possível. E em 2025, chegou a hora do design ser como a batata frita (e os carros como as lanchas, etc).

O design de interfaces digitais tem o poder de facilitar a vida das pessoas (igual à batata frita), mas também pode criar barreiras invisíveis para aqueles que processam informações de maneira diferente. A neurodiversidade abrange condições como Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), Transtorno do Espectro Autista (TEA), dislexia, dispraxia e outras variações cognitivas que afetam a maneira como as pessoas percebem e interagem com o mundo digital.

Projetar para a neurodiversidade não é só questão de acessibilidade, mas de inclusão real e respeito à diversidade humana.
Uma cena da novela Malhação, de 2004, onde Gustavo está junto de uma criança, William, que toca bateria.
Gustavo, da maior banda de rock da história do Brasil (Vagabanda) e William, que possuía dislexia.

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Por que projetar para a neurodiversidade?

Dados recentes mostram que aproximadamente 15–20% da população mundial é neurodivergente. Isso significa que milhões de pessoas enfrentam desafios diários ao interagir com interfaces mal projetadas.

E isso não é apenas uma questão de inclusão social, mas também uma estratégia inteligente para negócios. Interfaces mais acessíveis e intuitivas beneficiam não apenas pessoas neurodivergentes, mas toda a base de pessoas usuárias, melhorando a experiência geral e reduzindo frustrações. Empresas que priorizam um design mais inclusivo frequentemente observam um aumento na retenção de usuários, maior engajamento e uma percepção de marca mais positiva.

Além disso, a conformidade com diretrizes de acessibilidade, como WCAG (do inglês Web Content Accessibility Guidelines, que basicamente é a sua mãe te autorizando ou não a ir à escola de bermuda, versão boas práticas de design), reduz riscos legais e amplia o alcance global dos produtos digitais, tornando-os mais competitivos no mercado.

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Os desafios enfrentados por pessoas neurodivergentes

Muitos designs tradicionais ignoram as necessidades de usuários neurodivergentes, tornando a navegação em aplicativos e sites frustrante e até excludente. Alguns dos desafios mais comuns incluem:

  • Sobrecarga sensorial: interfaces com muitas cores vibrantes, animações excessivas ou elementos piscantes podem dificultar a concentração e causar desconforto;
  • Dificuldade com organização e hierarquia da informação: muitas pessoas dependem de padrões consistentes e estrutura clara para compreender e lembrar informações;
  • Excesso de distrações: notificações, pop-ups e elementos interativos mal planejados podem ser obstáculos para quem tem dificuldades em manter o foco (lembra o inferno que era ter 16 abas e não saber de onde vinha a música?)
  • Interfaces pouco intuitivas: a falta de feedback claro e previsibilidade nas interações pode gerar ansiedade e confusão;
  • Problemas com leitura e compreensão: fontes inadequadas, espaçamentos ruins e parágrafos densos podem tornar o conteúdo inacessível para pessoas com dislexia ou dificuldades de processamento de leitura;
  • Navegação complexa: sites e aplicativos com menus labirínticos ou estrutura confusa tornam difícil para pessoas neurodivergentes encontrarem o que precisam rapidamente.
Interface antiga de um blog, na era de ouro dos blogs na internet, onde faziam-se "templates".
Isso sim era UI, meus amigos

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Princípios de design inclusivo para neurodiversidade

Criar experiências digitais mais acessíveis para pessoas neurodivergentes exige a aplicação de princípios de design inclusivo. Algumas práticas recomendadas incluem:

  • Simplicidade e clareza: Evite sobrecarregar a interface com elementos desnecessários. Um design limpo, com espaços bem definidos e uma hierarquia clara de informações facilita a navegação.
    Exemplo: O Google Keep é um excelente exemplo de simplicidade no design. Ele permite que usuários neurodivergentes organizem suas anotações sem distrações visuais excessivas.
Imagem do Google Keep, mostrando sua interface amigável e colorida.
Simplicidade da interface do Google Keep
  • Personalização da Experiência: Permitir ajustes como o tamanho da fonte, contraste de cores, velocidade de animações e opções para reduzir estímulos visuais ajuda a adaptar a interface às necessidades da pessoa usuária.
    Exemplo: O Microsoft Edge inclui uma ferramenta de leitura imersiva que permite personalizar a exibição do texto, facilitando a leitura para pessoas com dislexia.
Imagem do Immersive Reader em uma extensão do navegador Edge.
Immersive Reader no Microsoft Edge tem opções: Ler em voz alta, preferências de texto, ferramentas gramaticais e de leitura.
  • Consistência e Previsibilidade: Manter um padrão visual e estrutural nos elementos da interface reduz a necessidade de reaprendizado e torna a experiência mais fluida.
    Exemplo: O Trello utiliza um layout de quadros fixos e organização intuitiva, facilitando a vida de pessoas com TDAH que precisam de um fluxo de trabalho estruturado.
Imagem do Trello e sua organização por quadros.
Separação de quadros pelo Trello
  • Feedback Claro e Imediato: Pessoas neurodivergentes podem se beneficiar de respostas visuais e auditivas sutis que confirmem ações, como mudanças de cor ao passar o mouse ou mensagens claras ao concluir uma tarefa.
    Exemplo: O sistema de notificações da Slack usa diferenciação de cores e texto bem estruturado para indicar mensagens não lidas e eventos importantes, ajudando pessoas usuárias a se organizarem melhor.
Imagem do Slack mostrando como funciona a interface de notificação.
O Slack tem uma maneira não invasiva e imediata de avisar uma nova mensagem.
  • Uso de Linguagem Simples e Objetiva: Evite textos longos e rebuscados. Instruções diretas, com frases curtas e apoio visual facilitam a compreensão.
    Exemplo: O Duolingo utiliza frases curtas, diretas e gamificação para tornar o aprendizado intuitivo e acessível.
Mascote do Duolingo, app de ensino de idiomas, dizendo, em inglês que erros são a melhor forma de aprender.
"Erros são a melhor forma de aprender" (a menos que você seja um neurocirurgião, não é mesmo? Hein? Ha ha! Humor!)
  • Facilidade na Interação e Navegação: Botões maiores, menus organizados e atalhos de teclado são recursos que tornam a interface mais acessível para pessoas que têm dificuldades motoras ou cognitivas.
    Exemplo: O Notion permite atalhos de teclado e personalização da interface.
Imagem da página inicial de um perfil no Notion.
O Notion te dá a sensação que seus pais tinham quando era possível comprar imóveis: a de ter controle sobre tudo.
  • Controle sobre Estímulos Sensoriais: Ofereça a opção de desativar elementos dinâmicos, como vídeos em autoplay, notificações constantes ou efeitos visuais muito chamativos.
    Exemplo: O iOS da Apple permite reduzir movimento e animações no sistema, beneficiando pessoas sensíveis a estímulos visuais excessivos.
Sistema operacional da Apple e suas opções de acessibilidade.
Controle de velocidade oferecido em Macbooks, por exemplo.

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Exemplos de boas práticas

Algumas empresas já adotam princípios de design inclusivo para neurodiversidade.

Microsoft — Immersive Reader

É uma ferramenta integrada ao Edge, OneNote e Word, que melhora a experiência de leitura para pessoas neurodivergentes. Ele permite:

  1. Modificar o espaçamento entre palavras e letras, ajudando quem tem dislexia;
  2. Destacar partes específicas do texto, como substantivos e verbos, facilitando a compreensão para pessoas com dificuldades de processamento;
  3. Converter texto em áudio, o que auxilia pessoas com dificuldades na leitura ou que se beneficiam de estímulos auditivos.
Imagem mostrando na prática como o Microsoft Immersive Reader funciona.
Immersive Reader com espaçamento customizado e destaque em parte específica do texto.

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Google — Modo Focus

O Android possui o Modo Focus, uma funcionalidade que ajuda a manter o foco reduzindo distrações. Esse recurso é particularmente útil para pessoas com TDAH, pois permite:

  1. Bloquear temporariamente notificações de aplicativos que podem causar distrações;
  2. Criar perfis personalizados para momentos diferentes do dia (como “trabalho”, “descanso” ou “estudo”);
  3. Melhorar a concentração ao minimizar estímulos visuais desnecessários.
GIF demonstrando como o Android ativa o modo foco.
Só não vai esquecer de responder aquela pessoa, ein?

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Notion — Flexibilidade na Organização

O Notion é uma ferramenta de organização extremamente flexível que se adapta bem às necessidades de pessoas neurodivergentes, especialmente aquelas com TDAH e TEA. Algumas das suas funcionalidades incluem:

  1. Criar quadros visuais e fluxos de tarefas personalizados, reduzindo a sobrecarga cognitiva;
  2. Utilizar etiquetas de cores para diferenciar prioridades, tornando a navegação mais intuitiva;
  3. Oferecer suporte a atalhos de teclado, o que pode beneficiar usuários com dificuldades motoras.
Imagem que mostra uma organização de áreas da vida, no aplicativo Notion.
O Notion tem aquela sensação de sentar no sofá com o ventilador no rosto depois de um banho pós faxina na casa.

O design para neurodiversidade não é um luxo ou um diferencial, mas uma necessidade para tornar a tecnologia verdadeiramente acessível. Criar interfaces inclusivas não apenas melhora a experiência de milhões de pessoas, mas também impulsiona a inovação e fortalece a relação entre marcas e pessoas usuárias. Como designers, temos a responsabilidade de questionar padrões e buscar soluções que respeitem todas as formas de cognição.

Ao adotar práticas de design mais inclusivas, garantimos que a tecnologia funcione para todos — e não apenas para quem se encaixa em um modelo neurotípico.

Assim como a batata frita.

Uma ilustração em 3D de uma batata frita usando um computador.
"Finalmente o reconhecimento veio"

Referências

  1. Neurodiversidade: o que é e como redes sociais têm ajudado em diagnósticos
  2. W3C Web Accessibility Initiative (WAI). (2018). Web Content Accessibility Guidelines (WCAG) 2.1.
  3. Shapira, Y., & Weiss, P. L. (2017). Enhancing Accessibility to Digital Media for People with Intellectual Disability: A Review of the Literature
  4. Nicolson, R. I., & Fawcett, A. J. (2019). Dyslexia, dysgraphia, procedural learning and the cerebellum. Cortex, 120, 414–426.
  5. Longitudinal associations between digital media use and ADHD symptoms in children and adolescents: a systematic literature review
  6. Digital Media Use and ADHD
  7. Malhação 2004 Internacional CD completo (de nada!)

Design para neurodiversidade: criando interfaces verdadeiramente inclusivas was originally published in UX Collective