Estratégia de Produto

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Jan 19, 2025 - 18:31
Estratégia de Produto

Em uma sessão de mentoria recente, uma head de produto me contou: “Defini a visão de produto, validei com a founder, o conselho e toda a liderança. Mas, depois da apresentação, as conversas voltaram para o tema de próximas features e datas de entrega.” Soa familiar?

Isso é comum. Mas por quê? Definir a visão é essencial, mas, sozinha, ela não resolve o dia a dia. Falta definir o como vamos chegar lá, que é a estratégia de produto.

A visão de produto é o destino: aonde vocês concordaram que querem chegar. A estratégia é o caminho para chegar lá. Quando as stakeholders discutem features, na verdade, estão buscando clareza sobre o plano para construir essa visão, sobre esse caminho para chegar lá.

Por isso, da próxima vez que o conversa com stakeholders virar para features, mesmo vocês tendo concordado sobre a visão de produto, é provável que a estratégia de produto não esteja clara.

É responsabilidade da head de produto definir a estratégia de produto, o caminho que vai ser percorrido para chegar até a visão.

Para construir uma estratégia de produto, gosto de utilizar duas ferramentas: a análise de mercado e a análise SWOT.

Análise de mercado

Para criação da sua estratégia, você precisa ter um bom entendimento do seu mercado em relação a seis aspectos:

  1. Concorrentes: tanto os diretos quanto os indiretos, que são aqueles que competem pelo tempo e atenção dos seus usuários. Por exemplo, um concorrente da atividade física são os serviços de streaming, que motivam seus usuários a assistirem cada vez mais vídeos e, consequentemente, não vão querer fazer atividade física.
  2. Mercado potencial e endereçável: quanto mercado temos? Quantas pessoas poderiam ser seus clientes? Para poder ser seu cliente, existe algum requisito mínimo? Por exemplo, se você vende um curso on-line para estudantes de medicina se prepararem para o processo de avaliação para ingressar em um programa de residência médica, seu mercado potencial não são todas as pessoas, nem todos os estudantes universitários, mas todos os estudantes de medicina dos últimos anos de graduação. Esse é seu mercado potencial. E desse total de pessoas, com quantas você de fato consegue se comunicar e mostrar seu produto? Esse é seu mercado acessível.
  3. Crescimento do mercado: o número de pessoas com potencial de usar o seu produto está crescendo, estável ou diminuindo? E o número de pessoas com quem você consegue falar sobre o seu produto? É muito importante você entender se o mercado que você enxerga para o seu produto está crescendo, estável, ou diminuindo, e se esse movimento é de curto ou longo prazo. Entender como o seu mercado está se comportando é fundamental para ajudar a definir sua estratégia. Por exemplo, se você estiver pensando em algum produto para o mercado de automóveis movidos à combustão, há sinais de que esse mercado pode estar diminuindo, uma vez que carros elétricos estão ficando cada vez mais populares. É importante também entender a dinâmica desse mercado. Existe algum fator que pode alterar a dinâmica desse mercado? Quando liderei a transformação digital da Lopes aprendi um fato muito interessante do mercado imobiliário brasileiro. Ele é bastante dependente da Selic, a taxa básica de juros definida pelo Banco Central para ajudar a combater a inflação. A cada 1% que a Selic sobe, 1 milhão de pessoas deixa de ter acesso a crédito e, por isso, deixam de ser mercado endereçável para transações imobiliárias.
  4. Disruptores: tão importante quanto conhecer seus concorrentes diretos e indiretos é conhecer que produtos podem disromper o seu produto, o que significa que podem substituir o benefício que seu produto entrega de uma maneira melhor e mais atraente para seus usuários. Por exemplo, será que as pessoas estão usando cada vez menos e- mail em função das opções de comunicação que produtos de mensagem direta como WhatsApp e Slack têm oferecido? E loja virtual? Quais são as outras maneiras de se vender on- line além de ter uma loja virtual? Vender em marketplaces, vender por meio de redes sociais.
  5. Novas tecnologias: devemos estar antenados sobre as novas tecnologias para saber como elas podem impactar o nosso produto. Quando eu falo de novas tecnologias, estou me referindo tanto às novas tecnologias de desenvolvimento de produtos (linguagens de programação, armazenamento e manipulação de dados, linguagens no-code e low-code etc.) como às novas tecnologias que mudam a forma do produto ser acessado (smartwatches, smart glasses, interfaces conversacionais etc.). Além dessas duas categorias de tecnologia, existem também as novas tecnologias, para as quais ainda não conseguimos ter clareza sobre o impacto, e que talvez possam mudar tanto a forma como fazemos o produto quanto como o produto é acessado e até mesmo a natureza do produto, como inteligência artificial, NFT, blockchain, metaverso e computação espacial.
  6. Regulamentação: seu mercado é regulado? Você conhece essa regulamentação? Houve mudanças nessa regulamentação? Por exemplo, na Conta Azul monitorávamos diariamente a regulamentação fiscal e contábil para garantir que o produto estivesse alinhado com essas regulamentações.

Provavelmente esse tipo de análise tem sido feito de forma pontual para alguns aspectos específicos em sua empresa. Minha recomendação é transformar a análise de mercado uma disciplina permanente, isto é, uma vez criada a primeira versão com os itens aqui descritos, atualizar mensalmente para garantir ter as informações mais atualizadas sobre o seu mercado.

Análise SWOT

De posse da sua análise de mercado, o próximo passo é entender a posição do seu produto nesse mercado — tanto a posição atual quanto a posição que você deseja ocupar quando tiver executado sua visão de produto. Uma boa ferramenta para ajudar nesse entendimento é fazer uma análise SWOT, sigla em inglês para Strengths, Weaknesses, Opportunities and Threats, ou pontos fortes, oportunidades, fraquezas e ameaças do seu produto. Já encontrei versões em português com o nome FOFA.

Matriz SWOT

Matriz SWOT

Os pontos fortes e os pontos fracos são itens internos do seu time de desenvolvimento de produto, ou da sua empresa, sobre os quais você, seu time ou sua empresa têm algum controle, que ajudam ou atrapalham o caminho de seu produto para atingir a sua visão. As oportunidades e ameaças são os elementos externos à organização, isto é, sobre os quais a organização não tem controle, e que podem influenciar positiva ou negativamente no atingimento da visão do produto.

A análise de mercado descrita anteriormente é um excelente insumo de itens que podem entrar em sua análise SWOT. Além da análise de mercado, o capítulo sobre Modelos de negócio também oferece bons insumos para construir o SWOT. Você tem um produto B2B Enterprise e sofre com as customizações pedidas pelos clientes? Cada novo pedido de cliente está atrapalhando o planejamento do que você pretende fazer com o produto? Esse pode ser um ponto fraco a ser endereçado em sua estratégia. Os modelos de plataforma ou marketplace podem fazer sentido para o seu negócio? Isso pode ser uma oportunidade para você explorar em sua estratégia. No capítulo Tipo de empresa x maturidade digital você conheceu o conceito de maturidade digital, e no capítulo Medindo a maturidade digital, mais adiante, você verá como avaliar a maturidade digital de sua empresa, que pode ser uma fraqueza a ser trabalhada em sua estratégia.

Preencher o SWOT deve ser um trabalho de equipe. Devemos ter uma ou mais sessões com as pessoas que podem contribuir para essa análise. Líderes do time de desenvolvimento de produto e líderes da empresa são o público indicado para esse tipo de sessão.

Como organizar uma sessão de análise SWOT:

  • Revisar insumos: antes de começar o trabalho, é importante revisar algumas informações sobre seu produto e sua empresa. Propósito e visão, que foram criados entendendo que um produto deve ao mesmo tempo atender aos objetivos estratégicos que o dono do produto tem para esse produto enquanto resolve problemas e necessidades de seus usuários. A análise de mercado também deve ser revista. O modelo de negócio atual e desejado. Enfim, todas as informações que ajudam a entender onde seu produto e sua empresa estão e aonde vocês querem chegar.
  • Pequenos grupos: divida o grupo de pessoas em pequenos grupos de 2 ou 3 pessoas e peça para cada grupo preencher uma análise SWOT. Limite a, no máximo, 3 itens por quadrante. É comum, principalmente no quadrante das fraquezas, as pessoas criarem uma lista bem grande de itens, não raro com mais de 10 fraquezas. Ao pedir para limitar em 3 itens por quadrante, as pessoas serão forçadas a fazer uma primeira priorização.
  • Consolidação: cada grupo apresenta sua análise SWOT. Haverá algumas sobreposições e algumas diferenças. Quando houver diferenças, esse já é um ótimo momento de discutir priorização. Para um novo item entrar em qualquer um dos quadrantes, um item que já está lá terá que sair, para mantermos o limite de 3 itens por quadrante.

Pronto! Agora você tem mãos uma análise SWOT com os 12 principais itens que impactam positiva e negativamente sua habilidade de chegar à sua visão.

Definindo a estratégia

Uma vez construída a versão final da análise SWOT, teremos 12 itens que podem servir de foco da estratégia. Digo que “podem”, pois não devemos trabalhar os 12 itens. Quem tem muitas prioridades não tem prioridade. Desses 12 itens, devem ser escolhidos de 3 a 5 itens. Uma votação entre os participantes, cada um podendo dar 3 votos, é uma forma de fazer essa seleção.

Uma dica que costumo dar é que os itens que são pontos fortes normalmente não precisam ser melhorados, só mantidos. O mesmo acontece com as ameaças, normalmente não há muito a fazer a não ser monitorar. Um exemplo de ameaça no mercado imobiliário é o Banco Central decidir aumentar a taxa Selic. Não há muito a fazer a não ser monitorar e reagir a essas mudanças.

Então sobram 6 itens, sendo 3 fraquezas e 3 oportunidades para vocês escolherem de 3 a 5 itens para ser seu foco estratégico. Essa escolha pode ser feita por meio de votação entre as pessoas que participaram da construção da análise SWOT, tendo cada uma 3 votos. Cada pessoa faz sua votação, e os 3 a 5 itens mais votados de seu SWOT comporão a estratégia para lhe ajudar a chegar mais perto de sua visão.

Tenho rodado esse tipo de atividade com meus clientes com bastante sucesso. Após algumas poucas sessões, conseguimos definir uma estratégia bastante sólida para servir de guia para o planejamento dos próximos 6 e 12 meses. Ter a clareza de sua estratégia é fundamental para a definição dos seus objetivos e resultados-chaves, em inglês, objectives and key results ou OKRs, ferramenta que vamos conhecer no capítulo intitulado OKRs.

Dúvidas e preocupações

Além do SWOT, uma outra forma de gerar insumos para estratégia é por meio de perguntas sobre dúvidas e preocupações. Quando temos uma visão, uma clareza de onde queremos chegar, é normal termos uma série de dúvidas e preocupações sobre como vamos chegar lá. É algo que pode também ser feito em grupo, onde todos trazem suas dúvidas e preocupações e, após uma votação, são definidas de 3 a 5 dúvidas ou preocupações a serem trabalhadas. Esse modelo de dúvidas e preocupações eu usei na Lopes e também na minha empresa de consultoria, a Gyaco.

Revisando a estratégia

Uma vez construída a estratégia, é importante revisá-la periodicamente, pois o mercado muda e a sua empresa muda. É importante entender se aquela estratégia ainda faz sentido ou se apareceram novos elementos que podem influenciar a estratégia.

A cada seis meses ou a cada ano é uma boa periodicidade, ou quando algum evento relevante acontecer. Por exemplo, quando aconteceu a crise da COVID-19, todas as empresas tinham acabado de fazer seu planejamento para 2020 e estavam começando a dar seus primeiros passos na execução da estratégia, quando a pandemia forçou as pessoas a ficarem em casa e todos os comércios a fecharem. Todas as empresas tiveram que mudar consideravelmente suas estratégias para esse novo cenário do mercado. Outro tipo de evento que pode forçar uma revisão da estratégia é a compra ou fusão de empresas. Quando uma empresa adquire uma outra empresa, certamente as estratégias das duas empresas precisarão ser revistas para se adequar a esse novo cenário.

Exemplo: Gyaco

A visão da Gyaco, minha empresa, é:

Gyaco conecta negócios e tecnologia por meio de treinamento e consultoria em gestão de produtos e transformação digital.

Visão Gyaco

Visão Gyaco

Quando defini essa visão, em 2022, quando decidi me focar na Gyaco em tempo integral, eu comecei a analisar o mercado, e me fiz uma série de perguntas sobre essa minha nova empreitada:

  • Vou continuar tendo aprendizados que podem ser úteis para outras pessoas?
  • Vou sentir falta de ter uma equipe?
  • Vou sentir falta da experiência prática, do trabalho mais hands-on?
  • Estou me envolvendo com os clientes certos?
  • Estou oferecendo os serviços certos?
  • Serei capaz de continuar gerando um bom resultado ou tive “sorte de principiante”?
  • Estou precificando e cobrando corretamente?

Veja que, como a Gyaco é uma empresa individual (solopreneur), é natural que algumas dessas dúvidas sejam também dúvidas pessoais. A partir dessas perguntas e dúvidas, defini os seguintes objetivos estratégicos para a Gyaco em 2023:

  • Entender se há demanda e se consigo atender a essa demanda de forma satisfatória. Métricas: clientes, receita e recorrência;
  • Entender se consigo continuar aprendendo e tendo novos exemplos práticos para ilustrar aprendizados. Métricas: novos aprendizados, artigos e conteúdos (com engajamento positivo).

Recomendação

Uma vez que você sabe para onde quer ir, o próximo passo é definir que caminho percorrer para chegar lá. Essa é sua estratégia, um passo muito importante para o sucesso de sua jornada de transformação digital.

Da mesma forma que para construir a visão, as técnicas e ferramentas que compartilhei aqui funcionaram para mim ao longo da minha carreira, nas empresas com as quais trabalhei. Fique à vontade para usá-las ou para buscar outras ferramentas – e até mesmo criar suas próprias — que podem ser mais úteis para o seu contexto.

Independentemente da técnica que você use, defina sua estratégia o quanto antes. Afinal, uma visão sem um caminho para chegar a essa visão não vai lhe servir para muita coisa.

Resumindo

  • Estratégia de produto é o que você vai fazer para chegar à sua visão de produto.
  • Para construir sua estratégia de produto, você vai precisar de alguns insumos: visão de produto; objetivos estratégicos da empresa; entendimento dos problemas e necessidades dos seus clientes; análise de mercado cobrindo concorrentes, mercado potencial e endereçável, crescimento do mercado, disruptores, novas tecnologias e regulamentação.
  • Esses insumos vão permitir que você comece a desenhar sua estratégia. A análise SWOT é uma boa ferramenta para organizar sua estratégia. A dica é limitar a 3 itens por quadrante. A estratégia virá de 3 a 5 itens de sua análise SWOT, normalmente das fraquezas e oportunidades. Outra ferramenta interessante é o levantamento de dúvidas e preocupações sobre como chegar à sua visão.

Transformação digital e cultura de produto

Esse artigo é mais um trecho do meu mais novo livro “Transformação digital e cultura de produto: Como colocar a tecnologia no centro da estratégia da sua empresa“, que vou também disponibilizar aqui no blog. Até o momento, já publiquei aqui:

Treinamento e consultoria em gestão de produtos e transformação digital

Ajudo líderes de produto (CPOs, heads de produtos, CTOs, CEOs, tech founders, heads de transformação digital) a enfrentarem seus desafios e oportunidades de produtos digitais por meio de treinamentos e consultoria em gestão de produtos e transformação digital.

Gestão de produtos digitais

Você trabalha com produtos digitais? Quer saber mais sobre como gerenciar um produto digital para aumentar suas chances de sucesso, resolver os problemas do usuário e atingir os objetivos da empresa? Confira meu pacote de gerenciamento de produto digital com meus 4 livros, onde compartilho o que aprendi durante meus mais de 30 anos de experiência na criação e gerenciamento de produtos digitais. Se preferir, pode comprar os livros individualmente:

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