Alex Atala celebra 25 anos do D.O.M.: “Continuar me modernizando é parte do meu compromisso”

Em entrevista, chef fala sobre a criação de um menu repleto de memórias que marcam os mais de 25 anos de sua trajetória na gastronomia

Jan 18, 2025 - 12:06
Alex Atala celebra 25 anos do D.O.M.: “Continuar me modernizando é parte do meu compromisso”

Em 25 anos é possível fazer muita história. Mas o tempo em atividade é apenas um dos muitos méritos de Alex Atala. Visionário, o chef tornou-se sinônimo de alta gastronomia brasileira.

E não há exageros em dizer isso: ele foi pioneiro ao elevar nossa culinária ao patamar internacional, utilizando ingredientes nativos em uma época em que pouco se falava sobre o assunto.

Chef Alex Atala na revista CLAUDIA
Há 25 anos à frente do D.O.M. e 15 no comando do Dalva e Dito, Atala segue motivado pelo desejo de se reinventarBruno Geraldi/CLAUDIA

Com seu restaurante, o D.O.M., inaugurado em 1999 na capital paulista, foi considerado dono de uma cozinha excelente ao receber duas estrelas do mais importante guia gastronômico mundial, o Michelin.

A casa ocupou também diversas vezes a lista dos melhores restaurantes do mundo, no ranking The World’s 50 Best Restaurants. Soma ainda gratificações pela revista Veja São Paulo, Guia Quatro Rodas, The Best Chef Awards e foi eleito um dos 100 brasileiros mais influentes pela revista Time, em 2013.

Listar todas as suas conquistas seria ocupar muitas das linhas desta reportagem. Por isso, preferimos utilizá-las para destacar os feitos de Atala que não se encontram nos rankings — e que também não são poucos.

Aligot do Dalva e Dito
Receita francesa, o aligot é um dos antigos sucessos do D.O.M. e chama a atenção pela beleza de seu mise-en-scène. Foi um dos fatores que motivou o chef a incluí-lo no menu lá no inícioBruno Geraldi/CLAUDIA
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Nascido na Mooca e criado em São Bernardo do Campo, na Grande São Paulo, o chef carrega até hoje as memórias de seu início de vida. É esse resgate do passado com um olhar para o novo que faz sua gastronomia tão particular.

“Eu venho de uma família grande, somos quatro irmãos, meu avô morou com a gente, tenho muitos tios. Sempre que tinha pudim em casa, eu só podia comer um pedacinho. Por isso criei um pudim bem generoso, vem de um trauma de infância” relembra o chef, dando risada. A sobremesa faz parte do cardápio do Dalva e Dito, restaurante que também celebra um importante marco: são 15 anos.

Pudim de leite condensado Dalva e Dito
Sem furinhos, o pudim de leite é a sobremesa ideal para fechar um menu que traz memórias à tonaBruno Geraldi/CLAUDIA

De camiseta branca, apoiado numa das mesas de seu segundo estabelecimento na cidade, ele enfatiza a preferência por dispensar a formalidade do dólmã, uma característica geracional: “Antes da minha geração, os cozinheiros utilizavam barba perfeita, calça e sapato pretos, dólmã impecável, lencinho no pescoço. Somos a primeira geração de chefs que trabalham de tênis, tatuados, de camiseta — na Europa, o chapéu foi abolido nessa época. Eu continuo tendo um até hoje porque acho bonito, mas foi um momento muito oportuno, no qual o comportamento dentro da cozinha mudou a indumentária do cozinheiro”.

Além de abrigar a conversa desta entrevista, é também de sua segunda casa que saem os pratos apresentados neste editorial. Se o D.O.M. representa o primor do lado racional do chef, o Dalva e Dito é certamente sua faceta mais emocional.

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Menu executivo Dalva e Dito
No restaurante, o arroz e feijão é inspirado no cotidiano: “O Dalva e Dito é casa, é comidinha”, diz o chef sobre o prato executivo, que representa bem o conceitoBruno Geraldi/CLAUDIA

“Eu tenho essa paixão por arroz e feijão, sentia falta de ter um grande restaurante de cozinha brasileira”, detalha sobre a criação do empreendimento.

“Não entenda que eu queria fazer melhor que os outros, mas queria entregar esse refinamento que o Brasil tem e que muitas vezes víamos em restaurantes franceses ou italianos. Não é que não existia, mas era pouco presente”, descreve sobre o espaço, que tem como premissa tocar apenas música popular brasileira, assim como o D.O.M., e traz a brasilidade impressa em todos os cantos: da arte de Athos Bulcão ao grafite do pernambucano Derlon Almeida.

REENCONTRO COM SI MESMO

Apesar de hoje a figura de Alex Atala transmitir disciplina e ponderação, no passado a história era bem diferente. Quando jovem, chegou a ser expulso da escola e adorava o movimento punk. Desse tempo, ficaram as tatuagens e a rebeldia de ser vanguardista.

Com um latente sentimento de não se sentir pertencente, tão comum na juventude, o paulistano realizou o desejo de morar fora do Brasil quando mudou-se para a Bélgica, aos 19 anos. Mas, até então, a gastronomia não estava nem de longe em seus planos: sua primeira função foi pintar paredes. Entrou para um curso de cozinha apenas para ter a possibilidade de conseguir um visto — e acabou migrando de área.

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Rubacão Dalva e Dito
Versão cremosa do baião de dois, o rubacão leva creme de leite e é típico de algumas regiões do Nordeste brasileiro, como a ParaíbaBruno Geraldi/CLAUDIA

De volta ao Brasil, já com certa experiência, fez uma proposta “indecente”, como define, para um imóvel de um restaurante à venda — que surpreendentemente foi aceita. “Meu único desejo era me manter vivo. Eu tinha um filho pequeno”, relembra ele, que hoje é pai de três.

“O D.O.M. tem 25 anos, e eu posso dizer que durante 24 e meio ele esteve lotado. Os seis primeiros foram cheios, o que é natural, mas depois teve uma ‘barriga’. Olhei para o Geovane [Carneiro, subchef da casa] e nos perguntamos quantos couverts faríamos no dia: talvez 50 ou talvez nenhum. Acho que se tivesse opção, provavelmente teria desistido, mas eu não tinha. A persistência nasceu da necessidade.”

“Esse ainda é o maior elo de confiança que um cliente me dá: estar aberto a fazer uma coisa que ele nunca fez na vida” Alex Atala

O que aconteceu a partir de então, o chef não poderia imaginar nem em seus sonhos mais absurdos. “Tivemos sorte de apresentar uma proposta que era muito palatável na hora certa. Foi um sopro de ar fresco num momento em que a cozinha vinha acompanhada de revolução. Chefs e jornalistas do mundo todo enlouqueciam pelas coisas que eram nossas e que nunca tinham comido na vida.”

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Macarrão com feijão Dalva e Dito
O prato faz referência ao clássico italiano pasta e fagioli, mas também à marmita brasileira, onde todos os ingredientes se misturamBruno Geraldi/CLAUDIA

Um dos marcos da cozinha do chef foi incluir a saúva amazônica, tradicional em culturas indígenas. “A formiga foi um grande desafio porque propus que as pessoas comessem algo que as mães falavam para nunca botar na boca. Esse ainda é o maior elo de confiança que um cliente me dá: estar aberto a fazer uma coisa que ele nunca fez na vida.”

Mas se a famosa formiga marcou sua gastronomia no primeiro restaurante, o Dalva traz o oposto: “Um chef que tem, de um lado, o atrevimento de colocar uma formiga no prato, tem por obrigação contrapor com afeto. ‘Afetivo’ não me soa banalizado, mas sim subestimado. Uma senhorinha que vende bolo em frente à estação do metrô é tão cozinheira quanto eu.”

E é com muita afetividade que o chef traz um cardápio que homenageia a culinária brasileira: seja com um divertido macarrão com feijão e ragu de linguiça ou uma delicada espuma de manga.

Espuma de manga Dalva e Dito
Refrescante e com dulçor equilibrado, a espuma de manga é servida com sorvete de coco e caramelo de gengibreBruno Geraldi/CLAUDIA

“Olho meu site, minhas mesas, e penso que perdemos o tempo das coisas. Mas é aí também que vejo a beleza do envelhecer” Alex Atala

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“Continuar me modernizando é parte do meu compromisso de vida. Às vezes olho para mim, para minha equipe, e falo: vocês estão ficando velhos, bicho, estamos démodé. Olho meu site, minhas mesas, e penso que perdemos o tempo das coisas. Mas é aí também que vejo a beleza do envelhecer. O ano de 2024 foi, quem sabe, o reencontro de um cara de quase 57 anos com um garoto de 30, que estava começando. É a mesma energia.” 

CRÉDITOS EDITORIAIS

TEXTO: Marina Marques
FOTOS: Bruno Geraldi
EDIÇÃO DE ARTE: Catarina Moura

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