Acidente em igreja expõe a conservação precária de patrimônios históricos
Presidente do Iphan afirma que instituto não foi alertado emergencialmente sobre risco; Vistoria seria ontem, mas estrutura veio abaixo antes
O desabamento do forro da Igreja de São Francisco de Assis, no Pelourinho, em Salvador, na tarde de quarta-feira, expõe a dificuldade de manutenção do patrimônio histórico e artístico brasileiro. A advertência é de Samuel Dereste, coordenador do curso de arquitetura da Cruzeiro do Sul Virtual, cuja preocupação reforça aquela manifestada, na segunda-feira passada, quando um dos gestores do templo solicitou visita de técnicos do Instituto Nacional do Patrimônio Histórico (Iphan), em função da percepção de que a estrutura poderia ruir. O acidente matou a turista Giulia Panchoni Righetto, de 26 anos, e feriu levemente outras cinco pessoas.
Segundo Dereste, é fundamental que haja planos de manutenção contínua para edificações antigas, que sofrem com o desgaste do tempo e são impactadas por problemas, como umidade, fungos e pragas. "As edificações, assim como nós, também podem sofrer de problemas, que são como doenças. Uma edificação com muita idade vai, com o tempo, acumulando umidade, fungos, traças. É muito importante um plano de manutenção para evitar que isso aconteça. Temos imóveis históricos belíssimos e que, infelizmente, por falta de recursos, passam por problemas como esse", lamenta.
O Iphan é um dos responsáveis pela manutenção da Igreja de São Francisco — em 2023, o instituto aplicou R$ 1,2 milhão na recuperação dos azulejos do acervo do templo. O presidente da autarquia, Leandro Grass, reconheceu que a instituição foi alertada sobre a existência de algum problema na estrutura superior, tanto que uma vistoria estava agendada para ontem — porém, o forro veio abaixo um dia antes.
"Às 15h48 de segunda-feira, [o frei responsável pela igreja fez a solicitação] pelo protocolo padrão. Ou seja: se ele tivesse, de fato, uma urgência, certamente teria ligado para o superintendente [do Iphan], que tem o telefone dele. Mas ele protocolou isso às 15h48, pedindo uma vistoria. A vistoria estava agendada para amanhã [quinta-feira], às 14h30", disse Grass, acrescentando que o frei observara uma dilatação no forro.
Licitação
O presidente do instituto afirmou que uma licitação para as obras de restauração seria publicada na próxima semana. Garantiu, ainda, que os trabalhos de recuperação da igreja serão prioridades. "Viemos para prosseguir com as medidas necessárias — primeiro a apuração, tanto técnica quanto administrativa. Precisamos verificar tudo que foi danificado, o que precisará ser feito e, depois, encaminhar algumas ações. Na semana que vem, a gente deve publicar a licitação para contratação da obra. A gente vinha fazendo uma série de ações nessa igreja nos últimos anos, mas, agora, é o momento de poder encaminhar, da melhor forma, as obras e as recuperações que a igreja vai necessitar", explicou.
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Logo depois que o forro da igreja veio abaixo, em conversa com o Correio, o padre Jailson Jesus dos Santos, doutor em História da Igreja, afirmou que templos centenários, muitos deles tombados pelo Iphan, sofrem com a ausência de fiscalização para que se verifique o estado de conservação. "Em 25 de janeiro, gravei um vídeo falando de uma das igrejas do centro histórico, a Igreja dos Quinze Mistérios. Falei do abandono e do desprezo. Outras igrejas estão em situação de deterioração", advertiu.
O padre assegura que há anos são feitas solicitações ao Iphan, ao Ministério da Cultura (MinC) e ao governo da Bahia, mas não há respostas concretas ou medidas efetivas de preservação. "Eles dizem que faltam recursos, mas a manutenção tem que ser constante", cobrou.
Desconhecimento
Para o padre Jailson, o problema se agrava porque os responsáveis pelas igrejas não têm conhecimento técnico ou recursos para avaliar riscos estruturais, o que pode colocar em perigo tanto o patrimônio histórico quanto a segurança de fiéis e visitantes. "Acho que a principal fiscalização deve ser feita pelos responsáveis, que são os órgãos públicos, já que as igrejas do Centro Histórico são todas tombadas. O responsável da igreja não tem a experiência, nem os meios técnicos, para verificar se o teto de uma igreja está para cair ou com algum perigo. Ele pode ter algum pressentimento, mas, como são igrejas antigas, ouvir estalos ou outros barulhos é comum. A fiscalização tem que ser feita constantemente pelos órgãos públicos responsáveis por isso", frisou.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva criticou a falta de orçamento nos projetos de tombamento e restauração de patrimônios históricos e culturais. Ele acrescentou que o Iphan estava discutindo um projeto de reconstrução para a igreja, pois o padre responsável pelo templo tinha identificado rachaduras na estrutura.
"O Iphan ia lá visitar, mas infelizmente não deu tempo e o prédio caiu", lamentou. Quem também compareceu para ver de perto a magnitude do estrago foi a ministra da Cultura, Margareth Menezes. Baiana de Salvador, ela ressaltou que a Igreja de São Francisco de Assis "é parte viva da memória e da cultura de nosso povo".
*Estagiária sob a supervisão de Fabio Grecchi