Separação total de camas
Liana Ferraz discute sobre os limites e as vontades de um relacionamento
Tenho pensado muito no tal ‘cronograma dos relacionamentos’. DNA da cartilha do amor, o cronograma é obedecido por grande parte dos casais. Ouso dizer que os passos da dança são mais ou menos esses: conhecer, apaixonar, ficar sério, namorar, casar (papel ou não), decidir sim ou não para os filhos e a bifurcação inevitável da separação ou do até que a morte os separe.
Pronto! Eis a vida a dois. Simples, não é? Ah, não mesmo. Em cada marco na linha do tempo do amor, infinitas nuances e possibilidades. Um casal pode dar supercerto e nunca se casar, por exemplo. Ou ter uma ligação grande e não chamar de namoro.
Ué, não pode? Quem dita as regras? Quem combina? A gente combina? Ou sai por aí fazendo o que deve ser feito, naturalizando o que é cultural e chamando de natural o que não tem nada a ver com natureza. Diante da porta, imagine um casal encarando o ninho. Cancele os violinistas. Vamos aos fatos.
Agora é isso. Meu quarto é nosso. Minha cama é sua. Meu corpo está em contrato. Meu desejo também. Agora somos. Agora convivo com seus cheiros e nem sempre gosto deles. Agora você chama de pano de prato e eu de guardanapo e descobrimos que este é o menor dos problemas, a não ser quando tudo tudo tudo me irrita em você.
Agora eu aviso pra onde vou e talvez o fato de eu ir seja um problema porque você tinha pensado outra coisa pra hoje. Agora suo embaixo de um cobertor que tem que ter porque você sente muito frio. Agora eu e minha casa de infância, com as manias todas. Agora você, com sua casa de infância e as manias todas. Colapso. Como alguém, algum dia, achou que poderia dar certo isso?
Mas qual contrato mesmo eu assinei? Quais cláusulas? Quantas páginas? Ou já veio pronto nosso amor, nossa família e eu, que me achava dançando livremente a vida, vejo-me executora de uma coreografia histórica e não sei se sou habilidosa nesse estilo ou se não acho cafona essas piruetas. Onde foi que fiquei nisso tudo?
Será que a gente pode combinar uma nova dança? E falar não só dos bens, mas dos quereres?
Falar se vamos comunhar total ou parcialmente ou separar totalmente o quarto? Por que eu preciso fechar a porta e ficar quieta um pouco. Eu preciso ter pra onde ir. Eu quero minha bagunça intacta.
Não é questão de propriedade, é questão de vontade. Não basta?
Vamos casar em separação total de camas? Não que você não vai poder frequentar a minha ou eu a sua, mas faremos com convite e capricho. Pode ser? Eu quero ler em voz alta, tirar da letra miúda, eu quero um megafone com tudo o que a gente tá combinando em silêncio pra ver se isso faz mesmo sentido. Eu quero a exaustão da palavra, a maratona do debate, o cansaço dos vivos!
Será que podemos casar com comunhão parcial dos corpos? É que eu adoro me levar pra dançar. E adoro a chance de me sentir atraente aos olhos de outros sem tanta culpa ou paranoia. Será que podemos reler o contrato? Será que podemos nos sentar aqui e falar sem receio das nossas humanidades confusas e contraditórias? Será que podemos organizar as cláusulas pra gente não confundir tudo e transplantar nossos traumas e mágoas para esse organismo fusionado que nos sentimos obrigados a ser? Será?
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