10 Considerações sobre Borges e os orangotangos eternos, de Luis Fernando Verissimo ou Borges, Verissimo e Poe entram num bar...

O Blog Listas Literárias leu Borges e os orangotangos eternos, de Luis Fernando Verissimo publicado pela editora Alfaguara; neste post as 10 considerações de Douglas Eralldo sobre o livro que promove um interessante diálogo entre três mestres da literatura, Verissimo, Borges e Edgar Allan Poe. Confira:1 - Utilizando-se da gramática das narrativas policiais (ao menos em parte), Borges e os orangotangos eternos entrega-nos uma obra marcada pelas referências influenciais que não apenas joga com os elementos das tradicionais histórias de detetive, mas também promove o sempre bem-vindo e fantástico jogo de alteridade que talvez apenas a literatura nos proporcione, tudo isso a partir de dois grandes ícones da literatura mundial e das nossas Américas, Edgar Allan Poe e Jorge Luis Borges;2 - Mas antes de prosseguirmos vale citar que o romance (ou conto, quiçá novela, já que permite-se pensar assim) nasce sob encomenda, pois integra uma coleção que desconhecíamos (mas ficamos muito curiosos sobre ela), a Literatura ou Morte (lá pelos anos 2000) em que autores foram convidados a escrever sobre outros grandes autores em estilo parodistico e com o envolvimento de algum mistério. Verissimo fez sua escolha por Borges, entretanto, poderíamos dizer que faz uma escolha dupla, tal que Edgar Allan Poe é onipresente e retomado sempre na narrativa já que é o elo que liga o narrador-protagonista Vogelstein e Borges, ambos aficcionados por Poe;3 - Quando citamos a questão da genealogia do trabalho é porque talvez a definição enquanto romance não lhe seja a melhor de fato. Temos aqui, provavelmente um conto, espichado diriam, mas ainda assim capaz de ler-se numa só sentada, o que aliás, foi o que fizemos. Lemos a obra em menos de um dia, vorazmente, como se faz com um belo conto. Entretanto, aos que talvez julguem pouco mais de cem páginas coisa muito longa para um conto, poderíamos vê-lo no mínimo como uma pequena novela detetivesca. Na verdade, qualquer um destes dois gêneros bastante coerentes, não apenas com os autores trazidos, como quanto ao estilo e tema trabalhado;4 - O enredo da narrativa dá-se pela voz em primeira pessoa de Vogelstein, um judeu cinquentão morador do Bonfim em Porto Alegre, tradutor de textos e por determinada razão fã das estórias de Edgar Allan Poe, que diante da possibilidade de um congresso na Argentina promovido por uma misteriosa organização sobre o trabalho de Poe, resolve supostamente participar do respectivo Congresso. Tal narrador vê no Congresso uma oportunidade de retornar ao país hermano, habitat de Borges, com o qual teria tido um desastroso incidente de tradução e a frustração de seus esforços para desfazer o mal-entendido mostrarem-se insuficientes;5 - Com o necessário tom paródico expresso especialmente por meio de personagens caricatos em sua ênfase nos estudos de Poe, o hotel em que se hospedam para o Congresso será palco de um crime que retomará o princípio das histórias de detetive criados por Poe e ainda mais importante que isso, possibilitará então, finalmente, o encontro de Vogelstein e Jorge Luis Borges, já que o narrador do conto apresenta uma fixação muito mais por este que pelo norte-americano. Nesse jogo de coicidências improváveis (e anacrônicas) o crime viabilizará uma intimidade tão esperada pelo narrador-protagonista e Borges, ambos aficcionados por estórias de crimes e, claro, Poe. Assim, a narrativa que por muitas vezes assume uma voz de segunda pessoa já que Vogelstein mantém um diálogo regular com seu narratário, Borges, colocará a dupla em instigantes conversas na mítica biblioteca de Borges enquanto buscam solucionar o crime a partir das pistas e influências literárias de ambos. O tom de paródia se amplifica não apenas pelo fato de a veia narrativa de ambos sobressair-se, mas também pelo clima bem humorado que tudo isso provoca com o despero do investigador Cuervo diante as teorias pouco científicas de Borges e Vogelstein para o crime;6 - A esta altura talvez seja importante salientar que não se trata de uma narrativa policial, ainda que pareça. Sim, temos um crime, temos uma investigação, mas temos também o pastiche de tudo isso. Trata-se de outra proposta que não uma narrativa policial. Dizer isto é relevante no sentido que percebemos o incômodo e estranhamento, por exemplo, de algumas resenhas no skoob sobre o livro. Ocorre que este é uma espécie de tratado para iniciados, sua linguagem melhor será compreendia por leitores habituais da obra tanto de Borges quanto de Poe. Como a proposta é a de trazer justamente a referência como construção literária, neófitos da obra de ambos encontraram dificuldades em entender ou mesmo encontrar as piadas, bem como as pistas (falsas ou não) jogadas ao caminho como migalhas que criam uma trilha. Ou seja, não nos enganemos, não se trata de ficção policial, mas um tanto de análise literária disfarçada de narrativa policial;7 - Até porque, no que se refere à narrativa policial, o desfecho de certo modo passa a nos ser esperado e não

Jan 19, 2025 - 18:23
10 Considerações sobre Borges e os orangotangos eternos, de Luis Fernando Verissimo ou Borges, Verissimo e Poe entram num bar...

O Blog Listas Literárias leu Borges e os orangotangos eternos, de Luis Fernando Verissimo publicado pela editora Alfaguara; neste post as 10 considerações de Douglas Eralldo sobre o livro que promove um interessante diálogo entre três mestres da literatura, Verissimo, Borges e Edgar Allan Poe. Confira:


1 - Utilizando-se da gramática das narrativas policiais (ao menos em parte), Borges e os orangotangos eternos entrega-nos uma obra marcada pelas referências influenciais que não apenas joga com os elementos das tradicionais histórias de detetive, mas também promove o sempre bem-vindo e fantástico jogo de alteridade que talvez apenas a literatura nos proporcione, tudo isso a partir de dois grandes ícones da literatura mundial e das nossas Américas, Edgar Allan Poe e Jorge Luis Borges;

2 - Mas antes de prosseguirmos vale citar que o romance (ou conto, quiçá novela, já que permite-se pensar assim) nasce sob encomenda, pois integra uma coleção que desconhecíamos (mas ficamos muito curiosos sobre ela), a Literatura ou Morte (lá pelos anos 2000) em que autores foram convidados a escrever sobre outros grandes autores em estilo parodistico e com o envolvimento de algum mistério. Verissimo fez sua escolha por Borges, entretanto, poderíamos dizer que faz uma escolha dupla, tal que Edgar Allan Poe é onipresente e retomado sempre na narrativa já que é o elo que liga o narrador-protagonista Vogelstein e Borges, ambos aficcionados por Poe;

3 - Quando citamos a questão da genealogia do trabalho é porque talvez a definição enquanto romance não lhe seja a melhor de fato. Temos aqui, provavelmente um conto, espichado diriam, mas ainda assim capaz de ler-se numa só sentada, o que aliás, foi o que fizemos. Lemos a obra em menos de um dia, vorazmente, como se faz com um belo conto. Entretanto, aos que talvez julguem pouco mais de cem páginas coisa muito longa para um conto, poderíamos vê-lo no mínimo como uma pequena novela detetivesca. Na verdade, qualquer um destes dois gêneros bastante coerentes, não apenas com os autores trazidos, como quanto ao estilo e tema trabalhado;

4 - O enredo da narrativa dá-se pela voz em primeira pessoa de Vogelstein, um judeu cinquentão morador do Bonfim em Porto Alegre, tradutor de textos e por determinada razão fã das estórias de Edgar Allan Poe, que diante da possibilidade de um congresso na Argentina promovido por uma misteriosa organização sobre o trabalho de Poe, resolve supostamente participar do respectivo Congresso. Tal narrador vê no Congresso uma oportunidade de retornar ao país hermano, habitat de Borges, com o qual teria tido um desastroso incidente de tradução e a frustração de seus esforços para desfazer o mal-entendido mostrarem-se insuficientes;

5 - Com o necessário tom paródico expresso especialmente por meio de personagens caricatos em sua ênfase nos estudos de Poe, o hotel em que se hospedam para o Congresso será palco de um crime que retomará o princípio das histórias de detetive criados por Poe e ainda mais importante que isso, possibilitará então, finalmente, o encontro de Vogelstein e Jorge Luis Borges, já que o narrador do conto apresenta uma fixação muito mais por este que pelo norte-americano. Nesse jogo de coicidências improváveis (e anacrônicas) o crime viabilizará uma intimidade tão esperada pelo narrador-protagonista e Borges, ambos aficcionados por estórias de crimes e, claro, Poe. Assim, a narrativa que por muitas vezes assume uma voz de segunda pessoa já que Vogelstein mantém um diálogo regular com seu narratário, Borges, colocará a dupla em instigantes conversas na mítica biblioteca de Borges enquanto buscam solucionar o crime a partir das pistas e influências literárias de ambos. O tom de paródia se amplifica não apenas pelo fato de a veia narrativa de ambos sobressair-se, mas também pelo clima bem humorado que tudo isso provoca com o despero do investigador Cuervo diante as teorias pouco científicas de Borges e Vogelstein para o crime;

6 - A esta altura talvez seja importante salientar que não se trata de uma narrativa policial, ainda que pareça. Sim, temos um crime, temos uma investigação, mas temos também o pastiche de tudo isso. Trata-se de outra proposta que não uma narrativa policial. Dizer isto é relevante no sentido que percebemos o incômodo e estranhamento, por exemplo, de algumas resenhas no skoob sobre o livro. Ocorre que este é uma espécie de tratado para iniciados, sua linguagem melhor será compreendia por leitores habituais da obra tanto de Borges quanto de Poe. Como a proposta é a de trazer justamente a referência como construção literária, neófitos da obra de ambos encontraram dificuldades em entender ou mesmo encontrar as piadas, bem como as pistas (falsas ou não) jogadas ao caminho como migalhas que criam uma trilha. Ou seja, não nos enganemos, não se trata de ficção policial, mas um tanto de análise literária disfarçada de narrativa policial;

7 - Até porque, no que se refere à narrativa policial, o desfecho de certo modo passa a nos ser esperado e não nos consideramos assim especialistas nem num nem noutro autor, Conhecemos pouco de Borges (sim, temos muitos defeitos a corrigir) e um cadinho de Poe (mais como leitor habitual que própriamente um fã capaz de rememorar conto por conto), mas o suficiente para recordar citações, nem tanto para rechonhecer quando é posto sabão na pista. Mas retomando o desfecho do mistério, a certa altura, talvez o hábito de leitura de diferentes narrativas policiais encaminha-nos para a solução que é posta no livro. Todavia, se acertamos a solução (ou talvez não), a forma como ela se apresenta é a literatura em toda a sua potencialidade de promover a alteridade;

8 - Isso porque, como dissemos, acima de tudo, trata-se de uma narrativa metaliterária. Isso significa que em grande parte o que a obra faz é justamente versar sobre o fazer literário por escritores, especialmente os grandes, caso de Poe, Borges e, claro, Verissimo. E o que o autor aqui faz é entregarmos aquilo que a literatura talvez tenha de melhor, a sua capacidade d epromover alteridades improváveis. Não falando aqui do fantástico de Todorov, ainda assim lembrando-o, Verissimo, numa paródia do gênero das deduções e confiabilidade subverte-o por meio não só da incerteza, mas pela gramática das hipóteses. Tudo mostra-se potencialmente hipotético (e alternativo) e é justamente a alteridade que possibilita isso. Quem cria? Quem narra? O que é a criação literária? Temos a sensação de que a estética aqui versa sobre perguntas que não silenciam na literatura. Se o autor da obra é Verissimo, o narrador é Vogelstein, ao menos até o último capítulo, quando, em tese, a alteridade nos resgata um fantasma-narrador e é então ninguém menos que Borges o narrador. O narrador que apresenta as soluções do crime. Mas seriam as soluções do crime, o a solução de Borges?

9 - E é aí que nos deparamos com a efetiva homenagem de verissimo a Borges, pois não é esta novela uma bela narrativa borgeana com seus labirintos? Não se engane, não será nas referências explícitas, nos diálogos que o narrador que prentende chamar Borges à conversa que encontraremos não apenas a homenagem, mas o próprio entendimento da literatura borgeana. Isto está na estética, e a estética de Borges e os orangotango eternos que encontraremos Borges em sua síntese, já que é justamente na estética narrativa, nas escolhas de vozes que se reverberará o impactante, por vezes insondável e tão estudado e discutido Pierre Menart, autor de Quixote;

10 -     Enfim, Borges e os orangotangos eternos é uma prazeroza experiência para os fãs de literatura, mas especialmente para os admiradores dos dois autores tão presentes na homenagem, Borges, originalmente, e Poe por tabela. Tudo isso proporcionado por um nos nossos grandes autores da literatura brasileira, ou seja, a narrativa entrega-nos um encontro improvável (quanto ao tempo), mas para lá de sucesso naquilo que apenas a literatura nos proporciona os impossíveis-possíveis graças à força poderosa da imaginação humana.

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