Por que dívida pública cada vez mais atrelada à Selic preocupa o mercado?

Segundo o Tesouro, a parcela desses títulos pode chegar a 50% do total pela primeira vez em 20 anos; movimento rumo aos pós-fixados é explicado pelo contexto atual, mas tira poder do BC, avaliam especialistas The post Por que dívida pública cada vez mais atrelada à Selic preocupa o mercado? appeared first on InfoMoney.

Fev 5, 2025 - 21:32
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Por que dívida pública cada vez mais atrelada à Selic preocupa o mercado?

Ao fim deste ano, o Brasil pode ter mais da metade de sua dívida pública atrelada à Selic – seria a primeira vez em 20 anos que isso acontece. E isso é (mais um) motivo de preocupação para o mercado financeiro. Na terça-feira (5), o Tesouro Nacional divulgou o Plano Anual de Financiamento (PAF), que prevê aumento da participação de títulos pós-fixados no intervalo entre 48% e 52% do total. 

Em 2023, a participação dos títulos atrelados à Selic na dívida pública foi de 39,66%. No ano passado, fechou em 46,29% e agora, segundo a projeção, subirá para, pelo menos, 48%.

Especialistas ouvidos pelo InfoMoney dizem que o movimento é necessário, mas piora o perfil da dívida brasileira e acrescenta dúvidas sobre a saúde fiscal do País. 

O que explica a mudança?

O Tesouro enxerga um cenário macroeconômico recheado de incertezas à frente. No PAF, o órgão aponta que o ciclo de afrouxamento monetário dos Estados Unidos deve acabar em 2026, com juros chegando a 3%, mas sem recessão na economia americana. No cenário interno, a conclusão é que a evolução da percepção fiscal é um fator decisivo. 

Além disso, tensões geopolíticas e protecionismo econômico em escala moderada, “aliados ao dólar forte e juros externos elevados, podem pressionar preços e juros no Brasil”, avalia o Tesouro. 

Tiago Sbardelotto, economista da XP, acrescenta que a decisão de mudar a composição da dívida tem relação com o alto volume de prefixados vencendo em 2025 (R$ 583 bilhões contra R$ 407 bilhões vinculados à Selic e R$ 241 bilhões atrelados à inflação). “Para manter a composição, o governo precisaria validar uma taxa de juros maior, porque o prêmio de risco hoje está bem mais alto do que aquele quando a dívida prefixada original foi emitida”, diz o especialista. 

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Com o cenário conturbado à frente, o Tesouro também vê investidores mais cautelosos, que evitam prefixados e preferem a segurança e alta rentabilidade do Tesouro Selic.

“O governo tem a percepção de que os financiadores da dívida brasileira, independentemente dos preços atuais dos prefixados e papéis de inflação, preferem o conservadorismo de ter um Tesouro Selic, onde sabem que os prejuízos são os mínimos possíveis”, diz Roberto Motta, estrategista da Genial Investimentos. 

Já Claudio Pires, sócio-diretor da MAG Investimentos, explica que o ciclo de alta de juros e a deterioração do cenário fiscal criam um contexto ruim para prefixados, “então, reduzir a emissão desses títulos tira pressão do mercado e tende a reduzir a volatilidade”. 

Como não é bom para ativos prefixados, ainda mais num cenário de deterioração fiscal, reduzir a emissão de pré-fixados tira pressão do mercado e tende a reduzir a volatilidade.

Piora no perfil da dívida

Em relatório, a XP diz que “não há boas opções em um cenário tão difícil” e argumenta que governo escolheu a primeira de três opções: piorar o perfil da dívida, encurtar o vencimento ou pagar prêmio maior. “Ele tende a aceitar o crescimento da proporção de pós-fixados para preservar o vencimento e evitar prêmios maiores”, diz o documento. 

Para Pires, além de piorar o perfil da dívida, o movimento “reduz muito a potência da política monetária”. Isto porque, quando o Banco Central sobe os juros, quem detém títulos prefixados e atrelados à inflação tende a perder com a marcação a mercado, o que ajuda no controle da atividade econômica e inflação. Mas investidores com papéis pós-fixados ganham quando os juros sobem, o que dificulta o trabalho do BC. 

Ele ainda defende que “o perfil da dívida doméstica é, sem dúvidas, um dos principais fatores que contribuem para termos juros mais altos”. 

Outro ponto negativo para o País é se tomar “uma dívida que não tem noção de qual será o custo”, lembra Motta, da Genial. “Afinal, ninguém sabe quanto será a Selic no futuro, então, isto é não é bom para o governo”. 

Por outro lado, a XP lembra que o PAF “é apenas uma diretriz” e não significa que o Tesouro seguirá à risca o que projetou. 

Mesmo com as desvantagens, o Tesouro Nacional agiu corretamente, diz Claudio Pires. “A estratégia parece correta em virtude da conjuntura econômica, mas não ajuda no trabalho do Banco Central na busca pela redução da inflação e atingimento da meta”. 

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“Diante da incerteza atual, o Tesouro preferiu fazer essa mudança para não validar os juros maiores nos prefixados e reduzir custos no curto prazo, difícil dizer se é a melhor decisão, órgão toma as decisões com base no cenário que tem atualmente”, conclui Sbardelotto. 

Para resolver o problema, a solução é a mesma necessária para atrair investimentos de volta para o Brasil e destravar valor na Bolsa: ajuste fiscal. “Você resolve isto conquistando credibilidade ao ponto dos investidores verem a oportunidade de ganho na marcação a mercado de títulos prefixados e atrelados à inflação”, diz Motta.

“O Brasil vai atrair pessoas que queiram voltar a financiar o País em taxas prefixadas fazendo um ajuste fiscal e sinalizando para a sociedade que a trajetória da dívida pública está mais controlada”.

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