Diretor geral da Robert Walters Portugal: “O futuro do trabalho será (sem dúvida) mais flexível e digital”
David Ferreira diz ao JE que, de acordo com dados da Robert Walters, cerca de 70% das empresas em Portugal planeiam adotar ou manter modelos híbridos nos próximos anos. Este movimento, justifica, está a ser impulsionado pela adaptação às novas realidades do trabalho digital, escassez de talento e pressão dos colaboradores por mais autonomia.
David Ferreira, diretor geral da Robert Walters Portugal, traça ao Jornal Económico as principais tendências do mercado de trabalho no país, que vão, aliás, em linha com as movimentações globais. A empresa integra o grupo de consultoria de recrutamento, recursos humanos, terceirização de processos de recrutamento e serviços gerenciados Robert Walters, presente em 31 países, onde emprega para cima de 3700 pessoas. Em Portugal opera desde 2016, recrutando para as áreas de Finanças, Jurídico, Recursos Humanos, Marketing, Tecnologia e Engenharia.
Muitas empresas em Portugal estão a pressionar os trabalhadores para voltarem ao escritório, com muitos trabalhadores a rejeitarem em grande medida essa opção. Como vai acabar este braço de ferro, sobretudo no que envolve as gerações mais jovens?
Acredito que, a longo prazo, este “braço de ferro” entre empresas e trabalhadores tenderá a evoluir para um modelo mais flexível e equilibrado. As gerações mais jovens, que cresceram num ambiente digital, dão grande valor à autonomia e ao equilíbrio entre a vida pessoal e profissional, criando uma pressão ainda maior para as empresas ajustarem os seus modelos de trabalho.
De acordo com um estudo realizado pela Robert Walters no final de 2024, cerca de 65% dos profissionais em Portugal preferem trabalhar de forma híbrida, com 3 a 4 dias de trabalho remoto. Nesse sentido, as organizações que souberem encontrar o meio-termo entre a flexibilidade do trabalho remoto e a necessidade de uma cultura organizacional mais próxima, vão conseguir atrair e reter mais talento. Por outro lado, as empresas que insistirem num modelo de trabalho mais rígido, vão enfrentar grandes dificuldades em manter os seus colaboradores, especialmente as gerações mais novas que têm outras opções no mercado.
Qual o impacto do trabalho remoto na cultura das empresas?
O trabalho remoto tem um impacto misto na cultura das empresas. Se por um lado, oferece maior autonomia e flexibilidade, por outro pode enfraquecer a coesão da equipa e o sentimento de pertença, essenciais para uma boa dinâmica de trabalho. Algumas empresas têm investido em tecnologias numa tentativa de garantir uma comunicação e a colaboração eficaz, mas é importante não esquecer que a cultura da empresa deve continuar a ser reforçada.
A chave está no equilíbrio: as empresas que adotarem estratégias híbridas vão conseguir mitigar o impacto negativo que o teletrabalho apresenta. Temos vários exemplos como a Google, que introduziu políticas de trabalho híbrido em 2022, e viu um aumento no engagement dos colaboradores de 25% em comparação com o ano anterior, segundo dados internos.
O regresso ao escritório traduzir-se-á em aumentos de produtividade ou será o contrário?
A produtividade no trabalho depende de vários fatores. Embora o trabalho remoto tenha reduzido a comunicação espontânea, trouxe um aumento de produtividade pela diminuição do tempo de deslocação e maior flexibilidade.
Para algumas pessoas, sobretudo os baby boomers, o escritório pode ser mais motivador e produtivo já que elimina distrações e facilita a colaboração. No entanto, o modelo remoto ou híbrido pode ser mais eficaz para outros, permitindo maior foco e equilíbrio. Empresas que adotam modelos híbridos e investem em novas formas de interação dentro e fora do local de trabalho, ouvindo os colaboradores, têm obtido os melhores resultados.
O que é o work-life blended e que lugar ocupa nas organizações que operam em Portugal?
O conceito de work-life blended é uma evolução do tradicional work-life balance e é cada vez mais comum, especialmente em empresas mais jovens e em setores como a tecnologia. Em vez de se tentar separar o trabalho da vida pessoal, as pessoas tentam integrá-los de uma forma mais fluida. No contexto de empresas que operam em Portugal, este conceito tem vindo a ganhar terreno, especialmente nas organizações que adotam modelos de trabalho flexíveis. O work-life blended é uma abordagem mais personalizada, em que as empresas entendem que cada colaborador tem necessidades e ritmos diferentes, permitindo que conciliem melhor o seu trabalho com a sua vida pessoal.
As organizações que implementam este tipo de políticas estão a demonstrar uma maior preocupação com o bem-estar dos seus colaboradores, o que resulta numa cultura de confiança e motivação.
Como vê o evoluir do futuro do trabalho em Portugal?
O futuro do trabalho em Portugal será, sem dúvida, mais flexível e digital.
Cerca de 70% das empresas em Portugal planeiam adotar ou manter modelos híbridos nos próximos anos, segundo um estudo de 2024 da Robert Walters. Este movimento está a ser impulsionado pela necessidade de adaptação às novas realidades do trabalho digital, pela escassez de talento e pela pressão dos colaboradores por mais autonomia.
A digitalização e a automação também terão um papel crescente, com 63% das empresas portuguesas a investir em tecnologias de automação nos próximos três anos, segundo dados do nosso estudo. Além disso, a crescente valorização do bem-estar dos colaboradores, a diversificação das opções de trabalho remoto e a evolução dos modelos de gestão indicam que o futuro do trabalho será mais inclusivo, flexível e orientado para a confiança mútua entre empregadores e colaboradores.
Pela primeira vez na história, o inquérito anual da Workmonitor, diz-nos que o equilíbrio entre a vida pessoal e profissional é considerado mais importante do que o salário (83% vs 82%), mostrando que o talento tem “expectativas multifacetadas” e que os empregadores precisam de estar prontos para dar resposta.