Médicos sem restrição para salvar doentes, mas é preciso saber se acesso de estrangeiros ao SNS está na lei
O antigo ministro da Saúde, Luís Filipe Pereira, considerou que, apesar do Juramento de Hipócrates, é preciso averiguar se o acesso de não residentes está de acordo com a Constituição. Já Carlos Cortes, bastonário da Ordem dos Médicos, recordou que “não há nenhuma restrição que possa ou deva impedir o médico de tratar uma pessoa que esteja a sofrer, independentemente da gravidade da sua situação, independentemente do seu problema de saúde”.
Os diplomas do PSD/CDS e do Chega, que querem alterar a Lei de Bases da Saúde, foram aprovados em dezembro passado com os votos contra dos restantes partidos. No entanto, ao Jornal Económico (JE), o bastonário da Ordem dos Médicos, Carlos Cortes, explicou que os médicos têm o dever ético de atender o paciente que esteja doente. Uma opinião partilhada pelo antigo ministro da Saúde, Luís Filipe Pereira, que também considera que, apesar do Juramento de Hipócrates, é preciso averiguar se o acesso de não residentes está de acordo com a Constituição.
“Pessoas que não sejam nacionais, que venham de fora, há de facto necessidade de averiguar se o acesso dessas pessoas ao Serviço Nacional de Saúde [SNS] está de acordo com o estabelecido nas leis, nomeadamente na Constituição”, disse ao JE Luís Filipe Pereira.
Para o governante da saúde dos Executivos de Durão Barroso e Pedro Santana Lopes, é “evidente que não podemos recusar prestar serviços de saúde a quem esteja em perigo de vida. É até uma questão deontológica, porque os médicos fazem o Juramento de Hipócrates, onde não podem recusar cuidados de saúde a quem está em perigo”.
No entanto, reforçou “que há a necessidade de verificar se o acesso é regular, conforme as nossas leis e a Constituição. A solução está aí”.
Em linha com Luís Filipe Pereira, Carlos Cortes afirmou ao JE que “em primeiro lugar existe um pressuposto médico que é irrevogável, incontornável para nós médicos: existem as pessoas saudáveis e as pessoas doentes e, perante uma pessoa doente, o médico tem obrigação ética e deontológica de, independentemente dessa pessoa, de a tratar sempre”.
São 12 as promessas que os médicos fazem quando entram para a Ordem dos Médicos em Portugal. “A saúde e o bem-estar do meu doente serão as minhas primeiras preocupações”, esse é um dos juramentos efetuados pelos médicos aquando da entrada como membro na Ordem, algo que os permite exercer a profissão.
O bastonário recordou que “não há nenhuma restrição que possa ou deva impedir o médico de tratar uma pessoa que esteja a sofrer, independentemente da gravidade da sua situação, independentemente do seu problema de saúde”.
“É um juramento que os médicos prestam no início das suas carreiras, os médicos são preparados e formatados para tratar todos os doentes”, frisou.
“Não estou a ver quem se possa dirigir a cuidados de saúde, ser avaliado, ser determinado que a sua situação clínica é grave e essa pessoa ser mandada embora”, sustentou Carlos Cortes, acrescentando que a situação aprovada em Assembleia da República “coloca problemas éticos muito graves”.
Foi a 19 de dezembro que as propostas da direita foram aprovadas num debate marcado por críticas à inação do anterior Governo, liderado por António Costa, e onde a esquerda lamentou a adoção de medidas baseadas em perceções. O ex-bastonário dos médicos e atual deputado social-democrata, Miguel Guimarães, defendeu que a votação servia para “corrigir um grave erro” do anterior Governo que “de forma irresponsável, prometia o acesso gratuito do SNS a todos os cidadãos do mundo”.
Ao Jornal Económico, o deputado do PS João Paulo Correia disse que “aquilo que o Partido Socialista tem defendido é que, por um lado, reconhecemos que existe um problema que não está ainda quantificado e, embora não quantificado, existe um problema que é muito colocado até no foro criminal”.
“Por isso, esperamos que o Ministério Público esteja a acompanhar aquilo que muitos partidos dizem e algumas reportagens mostraram, de algumas redes criminosas que estão a tentar recrutar cidadãos estrangeiros para serem tratados no Serviço Nacional de Saúde (SNS)”, alertou.
Apesar de admitir a existência de um problema, o socialista frisou ao JE que não é conhecido o número de casos dos quais “estamos a falar”. “Sabemos que existe um relatório da Inspeção-Geral de Atividades em Saúde, que não conseguiu apurar quantos casos em concreto existem no SNS”, apontou.
João Paulo Correia afirmou que o número que tem sido falado de cidadãos estrangeiros a recorrer ao SNS é de 140 mil cidadãos, desde 2021. Ainda assim, reforçou que “não sabemos quantos deles são turistas, não sabemos quantos foram em consulta, quantos foram em urgências”.
Para o PS, “o Governo tem de criar condições nas unidades locais de saúde, nas administrações hospitalares, para que consigam cobrar a esses cidadãos o tratamento que é prestado”.
Por sua vez, Rui Cristina do Chega referiu, ao JE, que existem “cada vez mais cidadãos estrangeiros que chegam a Portugal com o único objetivo de usufruir dos serviços de saúde sem custo. Isto é algo que tem vindo a crescer de ano para ano”.
“Tivemos conhecimento de cidadãos do estrangeiros que estão a sobrecarregar o SNS”, contou o deputado do Chega.
Como tal, o partido propôs “uma alteração à lei de bases da saúde, em que aqueles que não são residentes não podem ser considerados beneficiários do SNS, mas podem ter acesso ao SNS, se pagarem”.
“No Chega queremos que isto seja regulamentado, mas o que nos apercebemos é que nos últimos oito anos isto foi secundarizado”, finalizou.